sábado, 25 de dezembro de 2010

A Globo matou Roberto Carlos

Caros leitores e leitoras, e outras prováveis vítimas,

Espero que não chegue aos ouvidos do nosso querido Roberto Carlos o áudio que a Globo transmitiu de seu show ao vivo em Copacabana, nesta noite. Seria de uma crueldade inominável. E seria ainda um desafio tentar listar a quantidade de erros cometidos pela operação da mesa de som, provavelmente comandada por um invertebrado, para dizer o mínimo, dado que um orangotango poderia ter feito melhor. Instrumentos aparecendo e desaparecendo, vozes inaudíveis, o próprio Roberto Carlos tendo a sua voz triturada pela tecnologia altamente sofisticada pilotada por alguém que deve ter sido muito bem pago, só não podemos saber para que. Só espero mesmo, para o meu consolo, que a população que foi assistir ao show no local tenha ouvido algo diferente do que foi transmitido para aqueles, que como eu, esperava poder desfrutar de tanta teconologia a favor do artista e seus companheiros, e não contra, como foi o caso.
Espero sinceramente que isto chegue sim aos ouvidos de alguém da Globo, para que não tenhamos mais nenhum dos nossos valiosos artistas assassinados ao vivo e nenhum de nossos ouvidos torturados por tantos absurdos sonoros.

NELSON NISENBAUM,
enlutado por Roberto Carlos.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Patologia sistêmica

Caros leitores e leitoras,

A notícia publicada hoje, dando conta da reprovação de 68% dos examinados no "exame de ordem" do CREMESP não é exatamente uma novidade. Em todas as edições, desde a primeira tentativa em 1991, as taxas de reprovação estiveram em torno de 50% com variações pequenas para mais ou para menos. Diferentemente do exame de ordem da OAB (curiosamente decretado inconstitucional no dia de hoje por um tribunal federal) o exame do CREMESP não é requisito para a prática profissional, sendo feito de forma voluntária. Mas se partirmos do princípio lógico e provável de que os examinandos voluntários fazem parte de um segmento diferenciado dos formandos, o resultado tem um caráter mais complexo. Entretanto, para a classe médica e para a população a vida parece continuar normalmente, sendo as ocorrências de erros médicos com graves consequências muito menos frequentes do que se imaginaria em um cenário de tantas reprovações. Também não parece haver impacto na empregabilidade médica, pois esta classe apresenta o talvez mais baixo índice de desemprego. Isto mostra que entre as três realidades envolvidas, quais sejam, o aparelho formador, o aparelho verificador, e o campo de trabalho, parece haver uma patologia sistêmica, única explicação para tamanha dissonância matemática.

Na minha perspectiva de 25 anos de prática médica intensa, concursos prestados e estudo das provas aplicadas pelo CREMESP, identifico com clareza que tanto o aparelho formador como o verificador distanciam-se astronomicamente do mundo prático e das necessidades de nossa realidade. Mais que isso, parece que distâncias da mesma ordem separam os respectivos aparelhos entre si, dado o monotonamente frustrante resultado das provas. Sobre as necessidades do mundo real, bem disse o Prof. Williy Oigman (não me recordo se da UERJ ou da UFRJ) na sua tese das "30 doenças", onde defendia (acho que ainda defende) a idéia de que um médico deveria deixar o aparelho formador conhecendo muito bem apenas as 30 principais entidades nosológicas em ordem de frequência, pelo menos na área de clínica médica, deixando o restante para ser aprendido com base na demanda e interesses de cada um. Faltou dizer ainda, que do que pude observar até hoje, o mundo real do trabalho médico, principalmente no campo do SUS parece frustrar as expectativas e anseios dos profissionais médicos, na maioria dos casos.

O cenário descrito evidencia uma profunda e duradoura desarmonia entre os entes envolvidos, o que me parece ser infinitamente mais importante do que os índices e notas dos exames aplicados. Estamos diante de uma realidade tensa e desconfortável, cuja durabilidade só vem a denunciar a estagnação do pensamento nessas entidades, aparentemente hipnotizadas ou encantadas com avanços científicos e tecnológicos de baixa aplicabilidade no gigantesco contexto da saúde pública brasileira, que ainda tem, em diversas áreas, dificuldades muito mais afetas ao campo do relacionamento humano do que aos famosos rodapés de livros, tão encontradiços em provas e concursos, e que mais parecem agentes etiológicos dessa verdadeira esquizofrenia.

NELSON NISENBAUM
S.Bernardo do Campo, 16 de dezembro de 2010.

sábado, 11 de dezembro de 2010

TDAH É COISA SÉRIA E DEVE SER TRATADO.

Bruno Mendonça Coêlho: O TDHA existe e deve ser levado a sério

por Bruno Mendonça Coêlho

Sou psiquiatra, trabalho com crianças e adolescentes, e gostaria tecer alguns comentários acerca do artigo intitulado “A doença e o dinheiro. Ou seria a doença do dinheiro?” publicado, no dia 08 de dezembro, no site Vi o mundo.

Em primeiro lugar, gostaria de confirmar a referência do artigo citado como fonte. Numa busca no Pubmed – Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA –, maior fonte de pesquisa de artigos científicos da área medica, não consta qualquer referencia ao Sr. Alfie Hohn ou a estudos seus sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Achei apenas um artigo desse autor no seu sitio na internet numa busca no Google. Isso acaba tornando a discussão bastante enviesada, tendo em vista que esse tipo de publicação é bastante contestável, pois reflete apenas a opinião do mesmo, não dispõe de metodologia apropriada e não é passa por criteriosa avaliação dos seus pares como ocorre com os artigos publicados em revistas científicas. Para se ter uma idéia da importância da revisão por pares (“peer review”), a CAPES utiliza como um dos indicadores da qualidade tanto dos programas de pós-graduação quanto dos orientadores de mestrado e/ou doutorado o números desses artigos que foi publicado pelas instituições ou pelos pesquisadores (sendo que a qualidade revista onde foi publicado – QUALIS A, B ou C – também é levada em conta). Artigos como o citado no texto (e mesmo formatos mais formais como capítulos de livros) sequer são levados em consideração por carecerem de credibilidade.

Com relação a sua sintomatologia, apesar de ter sido descrita pela primeira vez no século XVIII, por Alexander Crichton, (Palmer et al., 2001) os sintomas essenciais ao diagnóstico descritos já naquela época (Crichton, 1798) são basicamente idênticos aos que usamos para diagnosticar o transtorno atualmente (APA, 2000). Cabe aqui perguntar como uma doença inventada conseguiria sobreviver há tantos séculos de evolução científica?

No que concerne o seu tratamento, há algumas modalidades de tratamento desse transtorno (Pliszka et al., 2000a e 2000b), entretanto a medida mais eficaz, de fato, é o uso de estimulantes (MTA Cooperative Group, 1999; Snatosh et al., 2005) e, entres eles, o metilfenidato nas suas diferentes formulações (RitalinaÒ, Ritalina LAÒ, ConcertaÒ). O uso de terapias comportamentais, principalmente quando combinada a psicofarmacologia, é também recomendada (MTA Cooperative group, 1999). Portanto, o dito consenso em torno do tratamento não se formou a toa, mas embasado em dados sólidos da literatura. Com qualquer outra medicação, há possibilidade de efeitos colaterais, entretanto a intenção não é deixar as crianças como “zumbis” conforme menciona o texto. Se isso ocorre, trata-se de um efeito colateral e deve ser manejado como tal.

Outra “curiosa” colocação atribuída ao “artigo” do Sr. Alfie Khon é que “não existe, até hoje, depois de mais de 40 anos de pesquisas, nenhuma prova da existência biológica ou orgânica da doença. Desenvolvimento cerebral, danos no sistema nervoso ou algo do gênero”. De fato, a causa precisa do TDAH ainda não está estabelecida. Entretanto isso longe de refletir prova de inexistência da patologia, mostra o estágio atual do nosso conhecimento científico. Esta, inclusive, não é uma realidade diferente de do que ocorre com outras doenças sejam elas psiquiátricas (como Esquizofrenia, Autismo ou Transtorno Bipolar) ou não-psiquiátricas (tais como Vitiligo ou Doença de Parkinson), cuja existência não é contestada por pessoas como o Sr. Khon, mas cuja causa específica ainda não está totalmente esclarecida. Ainda em relação a sua etiologia, diferentemente do que foi exposto, já há vários estudos que demonstraram os substratos neurobiológicos do TDAH e, mais ainda, sua condição etiológica complexa e multifacetada. (Ivanov et al., 2010; Asherson et al., 2005; Nigg et al., 2005; Fallgatter et al., 2003; Schweitzer et al., 2003; Ernst et al., 2003; Rubia et al., 1999, 2005; Russell, 2002; Vaidva et al., 2005; Durston et al, 2003). Adicionalmente, alguns importantes trabalhos demonstram que a validade do diagnóstico de TDAH independe do local geográfico ou mesmo de questões culturais onde o estudo foi feito (Bauermeister et al., 2010; Polanczyk et al., 2007). Portanto, se fosse uma patologia “inventada” ou uma patologia secundária ao modo de educar as crianças, diferenças socioculturais deveriam mostrar variações nos sintomas. Mas não mostram! Outras evidências a favor da validade do diagnóstico são os estudos com famílias, com gêmeos e de adoção os quais demonstram a alta herdabilidade – entre 60 e 90% – do transtorno (Rietveld et al., 2003; Thapar et al., 2000), sendo que pais e filhos de indivíduos com TDAH tem até oito vezes mais risco de apresentar o transtorno quando comparados a controles (Faraone & Biederman, 2000) e parentes biológicos tem risco maior de TDAH que parentes adotados (Sprich et al., 2000).

Por outro lado, existe sim alguma supervalorização do diagnóstico por alguns profissionais como, por exemplo, professores (a idéia de uma causa “biológica” para problemas prosaicos da sala de aula e de um remédio que possa resolver quaisquer desses problemas é extremamente tentadora!). Entretanto, com uma prevalência no Brasil de 5.8% (Fleitlich-Bilyk, Goodman, 2004) e menos de 500 profissionais especializados em psiquiatria da infância e da adolescência no país, o que ocorre é que há muito mais pacientes não tratados que diagnósticos errôneos. A prevalência no nosso país é comparável com a mundial, estimada em 5.29% (Polanczyk G et al., 2007).

Para finalizar, devemos lembrar que os indivíduos não tratados adequadamente apresentam maior risco de transtornos por uso de substâncias (Biederman et al., 2010, Wilens et al., 2003), menor escolaridade, maior abandono escolar, maiores taxas de desemprego e subempregos, maiores dificuldades relacionais (Millstein et al., 1998, Arnold e Jensen, 1995; Barkley, 1996; Mannuzza et al., 1993), maior risco de acidentes, maiores taxas de divórcios, maior risco de apresentarem comportamentos anti-sociais e de delinqüência (Kessler et al., 2006, Farrington, 1995).

Portanto, o TDAH é uma importante condição medica que deve ser levada a sério, tratada de maneira adequada o mais precocemente possível e a população melhor informada sobre suas características. O mau uso de algumas medicações por indivíduos com intenções variadas não deve ser considerado empecilho para estas medidas.

Atenciosamente,

Dr. Bruno Mendonça Coêlho

Coordenador do Ambulatório de Psiquiatria da Infância e da Adolescência (APIA) da Faculdade de Medicina do ABC ;

Coordenador Técnico da Unidade de Saúde da Infância e da Adolescência (USCA) de São Caetano do Sul;

Pesquisador do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP.

Referencias bibliográficas:

1 – Palmer ED; Finger S. An Early Description of ADHD (Inattentive Subtype): Dr Alexander Crichton and ‘Mental Restlessness’ (1798). Child Psychology and Psychiatry Review (2001), 6:2:66-73

2 – ARNOLD, L.E.; JENSEN, P.S. – Attention-deficit disorders, In: Kaplan HI & Sadock BJ (eds.) Comprehensive Textbook of Psychiatry, vol. II, 6th edition. Williams e Wilkins, Baltimore, pp. 2295-310, 1995.

3- BARKLEY, R.A. – Attention-deficit/hyperactivity disorder. In: Mash EJ & Barkley RA (eds.) Child Psychopathology. Guilford, New York, pp. 63-112, 1996.

4- Farrington, D. P. (1995). The Twelfth Jack Tizard Memorial Lecture. The development of offending and antisocial behaviour from childhood: Key findings from the Cambridge Study in Delinquent Development. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 36, 929 –964.

5- Wilens, T. E., Faraone, S. V., Biederman, J., & Gunawardene, S. (2003). Does stimulant therapy of attention-deficit/hyperactivity disorder beget later substance abuse? A meta-analytic review of the liter- ature. Pediatrics, 111, 179–185.

6-
Kessler RC, Adler L, Barkley R, Biederman J, e cols. (2006). The Prevalence and Correlates of Adult ADHD in the United States: Results From the National Comorbidity Survey Replication . The American Journal of Psychiatry,163(4):716-723.

7- Alexander Crichton: An inquiry into the nature and origin of mental derangement: comprehending a concise system of the physiology and pathology of the human mind and a history of the passions and their effects. 1798.

8- MANNUZZA, S.; KLEIN, R.G.; BESSLER, A. et al. – Adult outcome of hyperactive boys. Arch Gen Psychiatry 50:565-76, 1993.

9- Biederman J, Petty CR, Monuteaux MC, Fried R, Byrne D, Mirto T, Spencer T, Wilens TE, Faraone SV. Adult Psychiatric Outcomes of Girls with Attention Deficit Hyperactivity Disorder: 11-Year Follow-Up in a Longitudinal Case-Control Study. Am J Psychiatry 2010; 167:409-417

10- American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders (4th ed., text revision). Washington, DC: 2000.

11- Pliszka SR, Greenhill LL, Crismon ML, Sedillo A, Carlson C, Conners CK, McCracken JT, Swanson JM, Hughes CW, Llana ME, Lopez M, Toprac MG. The Texas Children’s Medication Algorithm Project: Report of the Texas Consensus Conference Panel on Medication Treatment of Childhood Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Part I. Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000 Jul;39(7):908-19.

12- Pliszka SR, Greenhill LL, Crismon ML, Sedillo A, Carlson C, Conners CK, McCracken JT, Swanson JM, Hughes CW, Llana ME, Lopez M, Toprac MG. The Texas Children’s Medication Algorithm Project: Report of the Texas Consensus Conference Panel on Medication Treatment of Childhood Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Part II: Tactics. Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000 Jul;39(7):920-7.

13- MTA Cooperative Group. (1999). A 14-month randomized clinical trial of treatment strategies for attention-deficit/hyperactivity disorder. Multimodal Treatment Study of Children with ADHD. Archives of General Psychiatry, 56, 1073–1086.

14- Santosh, P. J., Taylor, E., Swanson, J., Wigal, T., Chuang, S., Davies, M., et al. (2005). Refining the diagnoses of inattention and overactivity syndromes: A reanalysis of the Multimodal Treatment study of attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) based on ICD-10 criteria for hyperkinetic disorder. Clinical Neuroscience Research, 5, 307–314.

15- Iliyan Ivanov, M.D., Ravi Bansal, Ph.D., Xuejun Hao, Ph.D., Hongtu Zhu, Ph.D., Cristoph Kellendonk, Ph.D., Loren Miller, M.S., Juan Sanchez-Pena, M.S., Ann M. Miller, M.D., Ph.D., M. Mallar Chakravarty, Ph.D., Kristin Klahr, M.S., Kathleen Durkin, M.S., Laurence L. Greenhill, M.D., and Bradley S. Peterson, M.D. Morphological Abnormalities of the Thalamus in Youths with Attention Deficit Hyperactivity Disorder Am J Psychiatry 2010; 167:397-408

16 – Fallgatter, A. J., Ehlis, A. C., Rosler, M., Strik, W. K., Blocher, D., & Herrmann, M. J. (2005). Diminished prefrontal brain function in adults with psychopathology in childhood related to attention deficit hyperactivity disorder. Psychiatry Research, 138, 157–169.

17-
Schweitzer, J. B., Lee, D. O., Hanford, R. B., Tagamets, M. A., Hoffman, J. M., Grafton, S. T., et al. (2003). A positron emission tomography study of methylphenidate in adults with ADHD: Alterations in resting blood flow and predicting treatment res- ponse. Neuropsychopharmacology, 28, 967–973.

18- Ernst, M., Kimes, A. S., London, E. D., Matochik, J. A., Eldreth, D., Tata, S., et al. (2003). Neural substrates of decision making in adults with attention deficit hyperactivity disorder. American Journal of Psychiatry, 160, 1061–1070.

19- Asherson, P., Kuntsi, J., & Taylor, E. (2005). Unravelling the com- plexity of attention-deficit hyperactivity disorder: A behavioural genomic approach. British Journal of Psychiatry, 187, 103–105.

20- Nigg, J. T., Willcutt, E. G., Doyle, A. E., & Sonuga-Barke, E. J. S. (2005). Causal heterogeneity in attention-deficit/hyperactivity disorder: Do we need neuropsychologically impaired subtypes? Bio- logical Psychiatry, 57, 1224–1230.

21- Durston, S., Tottenham, N. T., Thomas, K. M., Davidson, M. C., Eigsti, I. M., Yang, Y. H., et al. (2003). Differential patterns of striatal activation in young children with and without ADHD. Biological Psychiatry, 53, 871–878.

22-
Rubia, K., Overmeyer, S., Taylor, E., Brammer, M., Williams, S. C. R., Simmons, A., et al. (1999). Hypofrontality in attention deficit hyperactivity disorder during higher-order motor control: A study with functional MRI. American Journal of Psychiatry, 156, 891– 896.

23-
Rubia, K., Smith, A. B., Brammer, M. J., Toone, B., & Taylor, E. (2005). Abnormal brain activation during inhibition and error detection in medication-naive adolescents with ADHD. American Journal of Psychiatry, 162, 1067–1075.

24-
Russell, V. A. (2002). Hypodopaminergic and hypernoradrenergic activity in prefrontal cortex slices of an animal model for atten- tion-deficit hyperactivity disorder: The spontaneously hypertensive rat. Behavioural Brain Research, 130, 191–196.

25- Vaidya, C. J., Bunge, S. A., Dudukovic, N. M., & Zalecki, C. A. (2005). Altered neural substrates of cognitive control in childhood ADHD: Evidence from functional magnetic resonance imaging. American Journal of Psychiatry, 162, 1605–1613.

26- Bauermeister JJ, Canino G, Polanczyk G, Rohde LA. ADHD across cultures: is there evidence for a bidimensional organization of symptoms? J Clin Child Adolesc Psychol. 2010;39:362-72

27- Polanczyk G et al. The worldwide prevalence of ADHD: a systematic review and metaregression analysis. Am J Psychiatry. 2007;164:942-8

28-
Sprich, S., Biederman, J., Crawford, M. H., Mundy, E., & Faraone, S. V. (2000). Adoptive and biological families of children and adolescents with ADHD. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 39, 1432–1437.

29- Thapar, A., Harrington, R., Ross, K., & McGuffin, P. (2000). Does the definition of ADHD affect heritability? Journal of the Amer- ican Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 39, 1528–1536.

30- Rietveld, M. J. H., Hudziak, J. J., Bartels, M., van Beijsterveldt, C. E. M., & Boomsma, D. I. (2003). Heritability of attention problems in children. I. Cross-sectional results from a study of twins, age 3–12 years. American Journal of Medical Genetics, Part B. Neuropsychiatric Genetics, 117B, 102–113.

31- Faraone, S. V., & Biederman, J. (2000). Nature, nurture, and atten- tion deficit hyperactivity disorder. Developmental Review, 20, 568–581.

32- Fleitlich-Bilyk B, Goodman R. Prevalence of child and adolescent psychiatric disorders in southeast Brazil. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 2004;43(6):727-34.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Liberdade do que mesmo?

Caros leitores e leitoras,

Reza o eruditíssimo adágio popular, "cada macaco no seu galho". O professor de filosofia Denis Lerrer Rosenfield, em seu artigo "Liberdade e doença" (veja reprodução abaixo), publicado hoje no "Estadão" e em outros sites, parece que esqueceu o que é macaco e o que é galho, perdoem-me a franqueza e perdoe-me o autor. Ao fazer uma analogia entre a medida da ANVISA que restringe a venda livre de antibióticos, condicionando-a à retenção de cópia de receita, à ideia de "liberdade de escolha", e indo mais longe, construindo uma teoria conspiratória pela qual esta medida enquadra-se nos moldes de uma ação ordenada de estado contra as privacidades e liberdades do cidadão, parece ter mesmo ultrapassado a sua própria disciplina de formação e docência. Por mais que eu possa discordar de certas atitudes da ANVISA e de seu modus operandi, tenho certo que desta vez ela acertou, mas com muito atraso. Não por que eu entenda que a superbactéria tenha sido "cria" do ambiente comunitário que normalmente abusa dos antibióticos. Tenho que esta criatura surgiu onde seria mais provável, ou seja, em ambientes de forte pressão seletiva e evolutiva, que são as UTIs espalhadas pelo mundo, onde faz suas vítimas. Mas admitir que o uso de medicamentos como antibióticos é um exercício de "livre escolha" do cidadão é mostrar despudoradamente ignorância sobre assuntos de saúde, bioética, e mesmo sobre medicina, saúde pública, e papel institucional de estado e do estado. O estado de direito democrático pressupõe a existência de instituições que regulem as ações da sociedade em todos os níveis, e o exercício da prescrição de medicamentos é e deve ser profundamente regulado pelas instituições no sentido de se proteger o coletivo, além, é claro do próprio indivíduo. Outrossim, sem risco de sofisma, tal regulamentação, entre outras, exara-se das instituições políticas que por sua vez, são mantidas e dirigidas por entes eleitos pela sociedade, que por sua vez, exerceram a sua verdadeira livre escolha, democraticamente.

NELSON NISENBAUM



Artigo - "Liberdade e doença", Denis Lerrer Rosenfield*
Em todo caso, quem compra antibióticos por própria conta se torna, evidentemente, responsável por sua ação. Algo normal para quem exerce a liberdade de escolha
Originalmente publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 06/12/2010


Passou quase despercebida a última resolução da Anvisa regulando a venda de antibióticos mediante uma receita especial. Até então valia um receituário normal, que era normalmente seguido pelas farmácias, embora houvesse uma certa liberalidade na sua venda. Nada, aliás, que não pudesse ser resolvido por uma fiscalização. No entanto, em vez de fiscalizar, os órgãos de Estado se comprazem com novas regulamentações, coibindo progressivamente a liberdade do cidadão.

No caso, chama particularmente a atenção o fato de que a mencionada liberalidade na venda de antibiótico resultava também de que, muitas vezes, o médico dava orientações por telefone ou o paciente já sabia o que precisava tomar por ser a mera repetição de uma doença. Em todo caso, quem compra antibióticos por própria conta se torna, evidentemente, responsável por sua ação. Algo normal para quem exerce a liberdade de escolha.

No entanto, foi agora inventado que há uma nova "superbactéria", que teria nascido da livre compra de antibióticos por cidadãos, que exerceram uma opção própria. Nem uma palavra é dita quanto aos médicos que, por exemplo, em postos de saúde, receitam costumeiramente antibióticos, aliás, junto com cortisona, para cobrir um amplo leque de doenças possíveis. Também nada é dito sobre os ambientes hospitalares, particularmente propícios à proliferação de bactérias. Em vez disso, são as farmácias e as indústrias farmacêuticas que, pelo "lucro", estariam interessadas na livre venda de medicamentos. Sobre o aumento do número de consultas, que favorece os médicos, nada é mencionado. Interesses existem em ambos os lados.

A mensagem, contudo, é clara: a liberdade de escolha é a causa da criação de superbactérias!

Há, nesse sentido, uma longa história em curso, a história do politicamente correto, que invade cada vez mais o espaço privado dos cidadãos. As restrições quanto à liberdade de fumar entram nessa mesma linha. Não se trata, evidentemente, de defender a ideia de que os fumantes interfiram no direito alheio, dos não fumantes. Trata-se, apenas, de reservar espaços privados para cada um exercer as suas respectivas escolhas, segundo o que cada um estima como o seu próprio "bem" ou "prazer". O Estado não deveria interferir nessa esfera.

Ele, no entanto, entra diretamente nessa esfera, ditando ao cidadão o que deve fazer, como se deve comportar, como se fosse um indivíduo irresponsável e dependente desse tipo de orientação. Considerando o nexo causal entre o ato de fumar e o câncer de pulmão, o Estado parte para o banimento progressivo desse tipo de escolha. Cabem, isso sim, informações sobre os efeitos nocivos do cigarro, aliás, estampados no próprio maço. Agora, se o indivíduo, apesar dessas imagens, optar por fumar, exerce propriamente a sua escolha.

A mensagem, contudo, é clara: a liberdade de escolha é causa do câncer!

Outro caso em curso é a tentativa de coibir a publicidade de bebidas alcoólicas, em especial a cerveja. As restrições não foram ainda impostas, seja pela reação das empresas, seja pelos meios de comunicação, seja ainda pelos cidadãos. A campanha, no entanto, começa com a formação progressiva da opinião pública, para que o Estado possa entrar também nessa seara, vindo a controlar mais esse "bem", esse "prazer", na perspectiva do cidadão.

Aqui cabe mencionar um problema específico relativo à publicidade. Os órgãos estatais tendem a não fazer a distinção entre determinar e influenciar. Segundo seus burocratas, a publicidade determinaria completamente o comportamento dos indivíduos, como se estes não fossem seres capazes de discriminação própria. Seriam pessoas irresponsáveis, incapazes de qualquer apreciação racional. Precisariam ser guiadas pelo Estado, que os orientaria como agir. Não se dão - ou não se querem dar - conta de que a publicidade influencia os comportamentos, porém não os determina, não os molda. A influência deixa intacta a capacidade racional de discriminação. Amanhã, com limitações progressivas na publicidade, as próprias empresas de comunicação seriam afetadas, por perda de suas receitas, sendo esta contrabalançada com maior propaganda estatal e, por consequência, com maior dependência política dela derivada.

Para que esse caminho seja percorrido, é necessário, preliminarmente, passar duas outras mensagens: A liberdade de escolha causa alcoolismo. A liberdade de escolha é anulada pela publicidade.

Outras campanhas já estão em curso. Seus mentores são infatigáveis, verdadeiros agentes do "bem" em sua cruzada pela "saúde" dos cidadãos, embora estes não saibam exatamente do que se trata, pois são incapazes de ver com seus próprios olhos. Campanhas contra determinados alimentos contendo gordura ou sódio podem também vir a ter sua publicidade controlada e - por que também não? - amanhã a sua venda. Não se trata, reitero, de retirar do Estado o dever de informar sobre os malefícios causados por determinados alimentos e a relação entre sua ingestão e certas doenças cardiovasculares. No entanto, se as pessoas, de posse dessa informação, optarem por tais alimentos, a responsabilidade é totalmente delas.

A mensagem, contudo, é clara: a liberdade de escolha é causa de doenças cardiovasculares.

O epílogo desta história é o seguinte. Considerando que o Estado se arroga a função de controlar o que ele considera como o "bem" do cidadão, considerando que ele despreza a liberdade de escolha, considerando que as pessoas precisam de cuidados - da alma e do corpo -, torna-se necessário que ele, imbuído dessa missão, seja, consequentemente, financiado. Um novo imposto, eufemisticamente chamado de contribuição (para dar a impressão de ser voluntário), deve, então, ser criado. O desfecho é a recriação da CPMF, evidentemente, em nome da "saúde" do cidadão.

A mensagem é clara: com a nova CPMF, o Estado vai, enfim, cuidar de você. Logo, pague por esse cuidado especial! Abdique de sua liberdade de escolha!
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* Denis Lerrer Rosenfield é professor de filosofia na UFRGS.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

No cinema é tudo mágica...

Caros leitores e leitoras,

Tenho o costume de ouvir e ler o máximo que meu tempo permite, e nesta empreitada, todas as fontes e origens são consideradas, independentemente do lado em que estão. Uma das fontes que não deixo de ouvir, é o Arnaldo Jabor, em seus comentários quase diários na CBN. Está certo que fico triste quando ele fala mal do nosso presidente, mas acho importante saber quais são as suas razões, como as de qualquer um que pense diferente de mim. Mas nos últimos dois dias algo curioso aconteceu. Jabor comemora efusivamente o sucesso das operações policiais e militares no Rio de Janeiro, faz elogios, afagos, e assim por diante. Mas parece que ele esqueceu algumas coisas, não sei se por problema de memória ou mesmo de avaliação. O que ocorreu no Rio foi apenas um (talvez de outros) ponto culminante de um processo que foi gestado no governo federal, sob o ministério de Tarso Genro, e que se chama PRONASCI. Trata-se de um conjunto de políticas de fortalecimento do estado nas áreas que governos anteriores fizeram questão de esquecer que ali vivia gente. Dentro deste conjunto que envolvia obras, infraestrutura, e outras intervenções, o apoio financeiro às iniciativas que levaram à implantação das UPP's, cujo valor estratégico foi agora definitivamente provado. Por último, o apoio incondicional que foi dado pelas forças armadas. Então, Sr.Jabor, você que tanto falou mal do presidente e dos sindicalistas e bolchevistas que o rodeiam, nas suas palavras, tem a obrigação moral de estender suas efusivas homenagens a esses mesmos, que revolucionaram a visão de estado nos últimos anos, aos verdadeiros estadistas e ao seu grande líder consagrado, o presidente Lula. Se não o fizer, vamos ficar desconfiados que o senhor trata o mundo real como se estivesse eternamente na sua cadeirinha de diretor de cinema, que aliás, confesso admirar. Claquete!

NELSON NISENBAUM

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Pode ser bom sinal!

Caros leitores e leitoras,

A notícia publicada na semana passada dando conta de uma redução do número de leitos hospitalares no Brasil, detectada pelo IBGE deve ser analisada com cuidado, pois envolve um sem número de variáveis que estão muito acima da lógica econômica e contábil, lógica esta tão surrada pela grande mídia, que mais uma vez não perdeu a oportunidade de alfinetar as gestões públicas. A referida perda foi da ordem de 11.000 leitos, e como disse, pode ser a resultante de múltiplos processos e condicionantes.

Nas últimas décadas o Brasil passou por uma imensa transformação no seu sistema de saúde. A implantação do SUS - a maior política social em curso no mundo ocidental - ainda que incompleta, mudou paradigmas e cada vez mais se impõe como antítese do modelo hospitalocêntrico. Talvez a reforma psiquiátrica seja o maior expoente dessa nova visão, mas não é a única. O avanço da gestão e a melhoria das práticas gerenciais promoveu, sem dúvida, uma racionalização de recursos além de sua otimização. Permeando essa complexa malha, os avanços do conhecimento médico, a democratização do acesso a esses recursos e o crescimento das estruturas de atenção básica também contribuem para a redução da necessidade de leitos hospitalares. Muitas condições que há 10 ou 20 anos geravam internações frequentes, não mais o fazem, justamente pela melhora da assistência em todos os níveis.

Políticas alternativas de internação domiciliar, atendimento domiciliar, associados aos processos regulatórios em implantação também contribuem nesse sentido. O município de S.Bernardo do Campo vive um momento com estas características, e muito embora persista uma necessidade de leitos para o SUS, há um ganho substancial de eficiência dos leitos instalados bem como de sua gestão.

Um outro ponto que pode desempenhar um papel importante neste fenômeno, é a expansão dos processos de auditoria interna no SUS, que com boa dose de certeza, contribui no sentido de se desestimular as más práticas adminstrativas, mais frequentemente encontradiças nos ambientes de maior complexidade, como é o hospitalar.

Mesmo não sendo especialista ná área de gestão de saúde, minha experiência aponta para esses possíveis bons significados de algo que em uma análise mais superficial é percebido como perda. Na minha modesta visão, podemos sim, estarmos diante de um fenômeno com significados positivos.

NELSON NISENBAUM


quarta-feira, 17 de novembro de 2010

BANALIZAÇÃO PERIGOSA

Caros amigos, amigas, leitores e leitoras,

Alguns termos de nossa língua permitem usos e interpretações que frequentemente levam a sofismas (raciocínios incorretos), mas talvez, poucos como o termo "preconceito". Rigorosamente, preconceito é tão somente uma idéia, que habita o íntimo da pessoa, e trata-se de um conceito ou juízo pré-concebido, ou seja, um juízo que precede a apreensão e o termo, fases iniciais do raciocínio. Portanto, podemos dizer que o preconceito é o antirraciocínio, ou o que contraria as leis da lógica, pelo menos da aristotélica.

Atitudes violentas e deploráveis, como por exemplo as perpetradas pelo nazismo no século XX e outras agressões como por exemplo a recente ocorrida na Avenida Paulista (S.Paulo/SP), onde homossexuais foram espancados, são por vezes atribuídas ao "preconceito" contra este ou aquele. Aqui, confunde-se preconceito com ódio e agressão, estas sim, atitudes orientadas e dirigidas, volitivas, e portanto, fora do campo das idéias, e pertinentes ao campo das ações.

Ninguém pode ser condenado por ser preconceituoso. Na verdade, todos nós somos. O tal "conceito", ou o juízo formado, é atitude do intelecto resultante da aquisição de informações do meio, da simbolização mental consequente e da formulação lógica e ética. Se admitirmos por definição que ninguém é capaz de apreender toda a realidade sobre algum assunto ou fato, rapidamente verificaremos que temos mais preconceitos do que imaginamos.

Também não pode ser condenado aquele que diz "não gosto de marcianos", mesmo que seja a mais preconceituosa das assertivas. Todos fazemos escolhas na vida, por critérios declarados ou não, continuamente, e a maioria delas, por preconceitos. Totalmente diferente é a realidade de quem diz: "os marcianos não devem ter os mesmos direitos que nós". Aqui, estamos tratando de discriminação e violência institucional. Sobre a "morte aos marcianos", já discutimos acima.

Penso que temos que tomar o devido cuidado com os recentes fatos e narrativas do último processo eleitoral no Brasil, onde inúmeras ações e violências institucionais ou não, foram atribuídas a preconceitos. Em inglês solene, bullshit! O que vimos em todos os campos - políticos, religiosos, regionais, sexuais, etc - foi ódio, o mais puro ódio. Nada contra a disputa política, que invariavelmente acirra ânimos, mas tudo contra a banalização quase infantil que se comete ao atribuir tamanha violência àquilo que faz parte de nós, cotidianamente. No caminho inverso, outra violência é cometida contra aquele que diz "não gosto" e é taxado de preconceituoso. E por acaso somos obrigados a gostar de tudo e de todos? O débito da ética democrática é o do respeito (também confundido com tolerância) e da capacidade de compartilharmos os espaços concretos e abstratos com aquilo ou com quem não gostamos, pressuposto básico da vida em sociedades estáveis.

É claro que determinados conjuntos de preconceitos compartilhados por determinados conjuntos de pessoas podem incitar o ódio e a violência, mas para que isso ocorra, tais grupos devem ter como catalisadores um conjunto de concepções culturais e éticas devidamente cultivados e transmitidos pelos processos educativos da sociedade, e introjetados e percebidos como "científicos", quando na realidade, são dogmáticos. E é no campo dos conflitos inconscientes entre dogmas e ciências que encontramos a pólvora que pode jogar a democracia e a humanidade pelos ares.

NELSON NISENBAUM
S.Bernardo do Campo, 17 de novembro de 2010.

domingo, 24 de outubro de 2010

A qualquer preço, sem saber o preço.

Caros amigos, amigas, leitores e leitoras,

Você votaria em um fraticida?

Penso que esta é a pergunta que deve ser feita aos eleitores de José Serra, que minimamente estejam informados sobre o contexto político dos últimos meses. É indiscutível que uma candidatura de Aécio Neves teria uma chance imensamente maior de êxito. Isto por que ele é bem avaliado no seu estado, tem rejeição baixa, é jovem, e não veio "do nada". Não que eu torcesse por ele, longe disso. Isto aqui é apenas um exercício de análise psicológica e estratégica. Muito bem, partindo do princípio que Aécio era o melhor candidato do PSDB, temos agora que mergulhar nas profundezas insondáveis que levaram o partido a optar por Serra. É aí que jaz o problema. Que tipo de força política, ou conjunto de forças seria capaz de insistir em uma idéia que levasse o partido à ruína? Que tipo de pensamento, linha de ação, caráter, poderia ter uma pessoa para impor-se ante a um projeto partidário um dia vencedor, que quer recuperar sua posição na história do país?

Esta reflexão deve ser feita por todos os eleitores, não apenas o de Serra. O processo de formação de uma candidatura revela muito sobre os bastidores e sobre os movimentos dos blocos de poder. Neste caso, o PSDB foi conduzido por forças que apóiam um candidato egocêntrico, quase um autista político, que parece hipnotizar algumas de suas bases e por outro lado exercer domínio na base da força bruta sobre outras. Não há outra explicação para isto que fica no limbo entre o suicídio e o fraticídio. E são estas forças e blocos que construiriam um eventual governo Serra/PSDB. Serra vem de uma derrota em 2002; o PSDB de uma derrota em 2006; nos dois processos ressalta-se uma verdadeira abulia do partido em defender o governo FHC ou qualquer conjunto de idéias minimamente capaz de ser chamado de ideologia. Aécio seria a tentativa de renovação. Mas o partido quis mais do mesmo, mostrando um conservadorismo mais que teimoso, e a disposição de pagar qualquer preço para vencer e sem contabilizar o preço da derrota.

Não é este o candidato e não é este o partido que quero governando o Brasil. Aliás, esta história me enche de medo.

NELSON NISENBAUM
S.Bernardo do Campo, 24 de outubro de 2010.

Este, entre outros artigos, estão publicados no meu blog em http://nelsongn.blogspot.com

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A HORA DA ESCOLHA

PUBLICAÇÃO DO LE MONDE DIPLOMATIQUE


A HORA DA ESCOLHA

A campanha eleitoral do PSDB e das elites conservadoras neste ano traz características surpreendentes, porque consideradas superadas há muito tempo. É um renascer conservador que usa de todos os métodos, manipula, distorce, falseia, na tentativa de seduzir o eleitor sem dizer a que veio sem apresentar sequer um programa de governo.

Temas como a crença em Deus, o aborto, a liberdade de imprensa, a corrupção, dominam a agenda eleitoral e, em si, já demonstram que não é o futuro do Brasil que os preocupa, mas desclassificar e derrotar seus adversários por quaisquer meios. E é tal a manipulação que, neste momento eleitoral, apresentam estes temas como se fossem da alçada de decisões da Presidência da República, o que não é verdade.

A separação entre a Igreja e o Estado é um dos princípios que funda o Estado moderno, que também é assegurada na Constituição de 1988 e em todos os países ocidentais. Crer ou não em Deus, ter ou não uma religião, são temas da vida privada, de foro pessoal, e assim devem continuar para garantir o respeito à diversidade e pluralidade culturais, fundamentos da democracia e da paz, ou voltaremos aos tempos das inquisições e da fogueira para sacrificar os hereges.

A descriminalização do aborto não é uma ?política para matar criancinhas?, como declara solertemente a oposição. É uma questão de saúde pública que se propõe para evitar a morte de milhares de mulheres, condenadas a enormes riscos ao realizarem seus abortos de forma precária e clandestina, sem qualquer apoio do poder público. E é importante frisar que também aqui, neste caso, a decisão por adotar estas políticas não é da Presidência da República, mas sim do Congresso Nacional.

A questão da corrupção, ela sempre esteve presente na política brasileira, na democracia das elites, que se servem deste expediente na defesa de interesses privados, afrontando a dimensão pública e o interesse coletivo. Se é verdade que os expedientes do ?dá lá, toma cá?, estão presentes também no atual governo, o que é lamentável e demanda uma reforma política para instituir controles democráticos efetivos sobre Executivo, Legislativo e Judiciário, não dá para o PSDB posar de vestal, basta lembrar as denúncias da compra de votos que permitiram a FHC modificar a Constituição e ter seu segundo mandato.

Esta agenda eleitoral, fundamentalista e despolitizada, que não trata das questões que importam para o futuro do país, só ganhou importância pelo destaque que a mídia lhe deu ? TVs e jornais ? que atuaram de maneira articulada, impondo sua versão dos fatos e tentando transformá-la em realidade. Nunca é demais lembrar que uma das questões centrais da democratização de nosso país é retirar do controle de apenas 9 famílias estes meios de comunicação. A tão propalada ameaça à liberdade de imprensa nada mais é que a defesa deste oligopólio, que por sua vez representa o conservadorismo, agora mais radical neste fim de campanha eleitoral.

Assistimos a um deslocamento ideológico onde o PSDB passa a ocupar o lugar do DEM, e o PT o lugar do PSDB. Esta situação abriu um espaço à esquerda no espectro político. Se Marina tivesse se aliado aos pequenos partidos à esquerda, que nasceram como dissidências do PT, poderíamos ter tido uma opção eleitoral à esquerda, mas este não foi o caso, como se pode ver com o alinhamento informal do PV à candidatura do PSDB. Marina paga agora o preço de sua ingenuidade.

A expressiva votação de Tiririca para deputado federal combina com a despolitização desta campanha e com um sentimento de rejeição pela política e pelos políticos de importantes setores da população, que desconfiam da falsidade das campanhas eleitorais e desta manipulação midiática. Afinal, como as candidaturas à presidência prometem mais creches, escolas, saúde, se estes equipamentos e serviços são responsabilidade dos governos municipais? Por que não falam de cambio, política externa, integração regional, projeto de desenvolvimento?

A verdade é que as candidaturas se dobraram à lógica das pesquisas eleitorais e das estratégias de marketing. Falam o que o eleitor quer ouvir. Prometem como sempre prometeram, a cada eleição. O importante nas condições atuais é construir critérios para avaliar as opções. E um deles pode ser o de comparar os governos que estes dois partidos realizaram e avaliar não só o quanto cumprem de suas promessas, mas o que fizeram pelo povo brasileiro.

Embora eles não estejam enunciados com clareza, existem dois projetos para o Brasil em disputa. O do PT é a continuidade de um processo de crescer favorecendo as grandes empresas nacionais e redistribuindo alguma (pouca) riqueza, permitindo a inclusão dos mais pobres. É a isso que se chama social democracia, uma antiga bandeira do PSDB. Já o projeto do PSDB é radical no sentido de favorecer o livre mercado, como se estivéssemos nos anos 90... E o livre mercado não tem nenhum projeto de desenvolvimento autônomo para o Brasil e nem se preocupa com o interesse público. Não é preciso dizer que esta opção só favorece as elites tradicionais, que se transformam em sócias menores do capital internacional, quando o fazem. Nesse caso, nossas riquezas irão beneficiar outros senhores e a desigualdade aumentará.

Mas, mesmo com estas condições que deixam tanto a desejar, temos que fazer uma escolha. Para muitos não será uma escolha pela sua identidade pessoal com um projeto político. Terá de ser uma avaliação em função das opções concretas. Falo especialmente para os que votaram em Marina no primeiro turno, para os que anularam o voto, para os que se abstiveram.

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Silvio Caccia Bava
Diretor e Editor Chefe

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O IMPERDOÁVEL ATAQUE À DEMOCRACIA

Originalmente publicado no Terra Magazine em 18/10/2010

Conseguiram. Transformaram campanha eleitoral em guerra religiosa. Em plena cerimônia religiosa celebrante é desacatado. Políticos se enfurecem. Panfletos são distribuídos.

Há tantos temas a serem abordados e, no entanto, assuntos de foro íntimo passaram a ser tratados como mensagens coletivas. As religiões informam a vida das pessoas.

Estas, a seu turno, por seu comportamento na sociedade, apontam para a excelência desta ou daquela confissão. Tratar as múltiplas crenças como inimigas entre si é criar conflitos indesejáveis.

Os brasileiros sempre buscaram a paz entre os vários credos. É traço histórico que vem desde nossa primeira Constituição, a de 1824. Agora, marqueteiros desavisados ferem nossos valores políticos.

É imperdoável o que vem ocorrendo. Viola os mais profundos sentimentos nacionais amalgamados durante séculos. Todos os participantes do pleito eleitoral, neste segundo turno, deveriam tomar uma única postura.

Declarar, em conjunto, que respeitam todas as crenças e posições doutrinárias. Apontar que qualquer mensagem contra o respeito ao outro é deletéria e contra a nação.

Há temas que devem ficar a salvo das emoções do cotidiano e, particularmente, dos debates eleitorais. Esses necessitam de ambiente de mútua compreensão do pensamento do outro.

Falar de aborto com paixão verbal sem limites é violência contra todas as mulheres e pessoas razoavelmente conscientes. Fere a intimidade mais profunda das pessoas.

O aborto é uma violência. Ninguém em sã consciência é partidário de sua prática. A vida, no entanto, sujeita as pessoas às mais estranhas circunstâncias e estas necessitam ser entendidas com razoabilidade. O presente debate saiu dos limites do razoável. Atingiu um fundamentalismo ingênuo, mas perverso. Todos os fundamentalismos são execráveis. Retiram a capacidade de pensar das pessoas.

Os liberais - os verdadeiros liberais - sabem que em todas as latitudes, onde foram excluídos os princípios iluministas, há uma violência física ou moral contra o livre pensamento.

A atual campanha eleitoral - lamentavelmente - atingiu espaços fundamentalistas, como nunca ocorrera nos comícios eleitorais após a democratização.

Os mecanismos democráticos não podem servir de caminho indesejável para dividir cidadãos. Ao contrário, a democracia, ensinando o respeito ao outro, exige compostura no seu exercício.

Os eleitores, certamente, saberão examinar todos os contornos destes últimos meses e, na hora de seu voto, afastará as más mensagens e as deformações das exposições de ambos os candidatos.

O voto deve ser conferido a programas partidários e exposições temáticas dos respectivos candidatos. As mensagens extravagantes podem ser ouvidas, mas não levadas em consideração.

Elas pertencem a outro campo, àquele do foro intimo de cada cidadão e este não deve ser violado pelos interesseiros de ocasião. A humanidade já sofre - e muito - por situações como a atual.

Voltar ao passado distante é esquecer as grandes lições - sobre a tolerância religiosa - expostas em tempos remotos por personalidades qualificadas do Ocidente.

Envergonha a cultura brasileira quem age sem freios em campanhas eleitorais. Mostra desconhecer os princípios da democracia e, assim, não pode ser respeitado no certame eleitoral.

Faltam poucos dias para o segundo turno eleitoral. Espera-se um reequilíbrio salutar nos termos da presente campanha. É anseio da cidadania.
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*Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador até a posse de José Serra.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A VERDADEIRA TERCEIRA VIA

ARTIGO DE SERGIO STORCH

Segundo turno e a terceira opção

domingo, 10 outubro 2010, 17:28 | Category : Inteligência Coletiva, Inteligência societal, Política
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“Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas motivadas e comprometidas possa mudar o mundo. Na verdade é a única coisa que o faz.” Margaret Mead

Minhas reflexões neste “Vou Vivendo” têm tido um eixo: a transversalização de momentos de vida com os temas da aprendizagem e inteligência coletivas.

Chega o momento de trazer à tona a dimensão política que às vezes deixo transpirar no Twitter e no Facebook, mas que raramente trago aqui.


Segundo turno: Dilma ou Serra?

Como você, eu olho o hoje e busco o amanhã, com o olhar da minha história. Um breve momento me vem à memória: na participação política que tive mais intensamente nos primeiros anos da redemocratização, tive grande orgulho em ser figurante no episódio que vou contar. Ulysses (PMDB), meu candidato, tinha sido derrotado no 1º turno das eleições de 89 (assim como Covas do PSDB). No 2º turno (Collor x Lula), ninguém das minhas tribos tinha dúvidas. Embora Ulysses tivesse sido recusado no palanque de Lula (claro, simbolizava para os negacionistas a tal da “farinha do mesmo saco”), mesmo assim um pequeno grupo de PMDBistas articulou no gabinete do então deputado estadual Arnaldo Jardim o Comitê de PMDBistas pró-Lula. Tive a honra de estar na formação desse grupo, e guardo com carinho o livrinho caixa em que registrávamos as contribuições: nomes de muitos amigos queridos (com seus NCr$ 300 a 1000), hoje espalhados em vários partidos ou que, como eu, resolveram exercer sua cidadania fora da política partidária. DISSEMOS NÃO AO NÃO, E APOIAMOS LULA.

Foi nessa campanha que conheci também Ricardo Young, dono do Yázigi, e que um ano depois viria a ser um dos fundadores do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais. Agora tive a alegria de votar no Ricardo para senador, além do Aloysio (PSDB) e de Paulo Teixeira (PT) e Carlos Neder (PT). E, claro, Marina e Guilherme Leal (este também do PNBE de 1990).

História tem fluxos: do PNBE brotaram, nestes 20 anos, lideranças que fundaram entidades e movimentos, inclusive o Instituto Ethos, atualmente presidido pelo Ricardo, mas também, entre outras, a Fundabrinq pelos Direitos da Criança, a Transparência Brasil, o Akatu pelo Consumo Consciente, o Forum Social Mundial, a Rede Nossa São Paulo e a Rede Brasileira de Cidades Sustentáveis.

Ou seja, tive a bênção de ver nascer há 20 anos um futuro de sociedade na qual a política se dignifica e se recupera da corrosão de legitimidade promovida por um sistema político doente e por lideranças sem grandeza. Tenho certeza de que foi esta coalizão de empresários e militantes de movimentos sociais que trouxe 20% dos votos a Marina Silva no primeiro turno (não foi o PV, partido que segue a lógica tradicional dos partidos políticos do século 20, e que agora se apressa em aderir a Serra).


Negacionismo

Hoje amigos me dizem: nossa, o Serra é centralizador, autoritário, trata os professores na porrada, vai querer privatizar tudo, já imaginou? Olha só a privatização desordenada da educação superior no governo FHC, com a desregulação na criação de novas universidades… É a volta do neoliberalismo… E essa turma do DEM que vem com ele? Olha o retrocesso de Serra/Kassab na Prefeitura de São Paulo com as tentativas de desmonte do Plano Diretor que a Marta fez…

E eu digo: é, é mesmo. Mas este NÃO me chega de forma desconfortável.

Outros amigos dizem: nossa, Dilma é o lulismo, nem é mais o PT, e com essa maioria no Congresso será uma mexicanização, teremos um PRI que fará o que quiser… E o país vai agüentar essa carga tributária? Vai agüentar uma dívida pública maior ainda? E a cooptação que o Lula já fez de todas as Centrais Sindicais? Aí alguns evocam até o cenário de uma inflexão para baixo da curva econômica (um dia acontece…), a busca de bodes expiatórios, e um neoperonismo apontando os “inimigos do povo”, os que “torcem contra o país… Se aconteceu numa Argentina até então civilizada, por que não poderá acontecer no Brasil?”

E eu digo: é, é mesmo. Mas este NÃO à Dilma também me incomoda.

Apesar de que, sabe-se lá, pessoas mudam, chegam outras pessoas… Aí vem até a minha paranóia judaica de quem conhece bem a história de um cara eleito democraticamente em 1933, em maioria simples, por um eleitorado que tinha esquecido de “Mein Kampf” para depois ter que lembrar. Hitler, Mussolini, Perón, Getúlio, Nasser, Chavez, Ahmadinejad…

Mas faz parte de minha história pessoal também uma imersão na questão da paz no Oriente Médio, que foi onde incorporei o termo “negacionismo” ao meu vernáculo. No conflito do Oriente Médio, o negacionismo é a classe de atitudes que acometem o Hamas, o Hizbollah, a Al Qaeda, que não aceitam o outro. Que recusam o diálogo, a empatia, a escuta. Acomete também ministros de Israel e colonos da ultra-direita israelense, que não reconhecem a legitimidade dos interesses e a humanidade dos palestinos. NÃOS que são úteis somente para a geopolítica do Irã e da China, ao aumentarem seus espaços de influência. Mas que têm resultados trágicos nos bombardeios de Gaza e nas famílias israelenses e palestinas privadas de seus filhos mortos ou reféns.

Em Gestão do Conhecimento, usamos o conceito de Modelos Mentaistrazido por Peter Senge em “A Quinta Disciplina”. Então, o modelo mental acima caracteriza-se por privilegiar o “nós” versus “eles” (característica que tanto assemelhou FHC e Lula, e que está tão presente nesta campanha tão rebaixada no nível ide despolitização que nos faz pensar se não estamos, todos, regredindo.

E como pode ser que a essa altura do campeonato estejamos de novo “nós” contra “eles”, seja com Dilma ou com Serra? Vítimas indefesas deste modelo mental?


Lula, Dilma e Serra: o homem e sua circunstância

De que Dilma estamos falando? E de que Serra?

O jogo leva alguns a estereotipar o Serra como neoliberal. Mas Serra foi o cavaleiro do SUS que foi trazido à Constituinte pelos comunistas do PCB, que o trouxeram do PC Italiano, e que depois ajudaram a implantá-lo com Sérgio Arouca no Ministério da Saúde de Lula. Parênteses: como evidência de que as coisas não são tão simples, o Dr. Adib Jatene (homem íntegro do partido de Maluf) foi também importante cavaleiro deste SUS, muito mais democrático e justo do que aquele modelo que o Partido Republicano impede o Obama de implantar na grande democracia do Norte.

O Lula da Carta aos Brasileiros era o Lula da NEGAÇÃO da parceria para derrotar a ditadura no Colégio Eleitoral? Não. Era outro Lula. E o Lula da NEGAÇÃO do Plano Real? E o Lula do “nunca antes na história desse país” era o Lula da Carta aos Brasileiros? Também não. O Lula dos SIMs a Sarney, Collor, Maluf e Tiririca é o Lula de todos aqueles NÃOs?

Não, o Lula foi o produto que resultou a cada momento de um sistema político deformado e deformante (nem por isso deve merecer nossa complacência). Poderia ter sido um estadista, mas Gandhis e Mandelas não se fazem todos os dias. Definitivamente, o Lula que deu camisa da Seleção para o companheiro Ahmadinejad não foi o Lula da carta que fiz à minha filha de 2 anos, que apertou os botões da urna eletrônica em 2001 (para que leia quando for votar de verdade em 2015).

Mas é correto vermos o aparelhamento de Lula e Zé Dirceu como motivos para estereotipar Dilma como cavalo de Tróia de uma República Sindical? Não poderá ser uma outra Dilma? E faz sentido desqualificá-la como inexperiente? Faz sentido recorrer ao aborto na baixaria da campanha eleitoral, usando a estratégia dos marketeiros do Jânio com a maconha para derrotar FHC em 85?

O homem é o homem e sua circunstância. O que serão Dilma ou Serra depende menos de ser um ou outro do que do jogo que estiverem jogando.

Então, acho que a questão é a seguinte: Dilma e Serra dos próximos anos são ambos grandes riscos que os bastidores das campanhas não revelam. Ambos são roleta russa. E temos que fazer hedge.


Sim, estamos cativos do “Dilema do Prisioneiro”

Quando vejo Aloysio Nunes e Roberto Freire simplificando sua mensagem unilateral (e são ambos da tribo dos SIMs que eu vi fazendo a transição para a democracia), e quando vejo Leonardo Boff (meu guru cristão, par do meu rabino Heschel e da minha monja budista Coen) e amigos muito próximos estereotiparem a candidatura Serra, fico a pensar: este modelo mental não é parecido com aquele produzido pelo Dilema do Prisioneiro?

Explico: Dilema do Prisioneiro é uma situação analisada na Teoria dos Jogos, muito utilizada na Ciência Política, nas teorias sobre negociação e em estratégia competitiva, para ilustrar como pessoas lidam com a incerteza quando não podem se comunicar com os seus pares.

Temos que aceitar este jogo? Ou podemos mudar o jogo?

Afinal, em outro contexto, nos anos 70 em que eu lia o Serra em livro clandestino publicado em espanhol no Chile sobre o milagro brasileño, ou lia seu livro com a Maria da Conceição Tavares (PT), guru de todos nós, ele votaria na Dilma. E naqueles dias a Dilma votaria no Serra.

Mas muita água rolou, e ambos tiveram sua cota de responsabilidade nessa distribuição torta de renda em que os mais pobres receberam o Bolsa Família e os mais ricos ganharam a Bolsa Banqueiro, várias vezes maior, através da taxa de juros mais alta do mundo. Quem perdeu? Na pizza da renda, a classe média, mas o mais grave é o não-investimento nos serviços públicos essenciais que são a forma mais eficaz de distribuição de renda: educação e saúde públicas de qualidade, transporte público, segurança pública etc. Ou seja, numa visão sistêmica, a distribuição de renda do Bolsa Família é uma farsa e uma miragem de curto prazo, pois continuamos depredando o capital humano que é o principal componente do patrimônio da nação (a partir deste ano as empresas de capital aberto precisam apresentar no seu balanço o seu capital intelectual. E as contas públicas?).

“Moça, abre a janela…” Vivemos num mundo cheio de oportunidades, como diz o cartaz do HSBC nos aeroportos…


Uma terceira opção: a inteligência

SIM. Há possibilidade de mudar o jogo com uma terceira opção, que supere a dicotomia cartesiana e excludente Dilma x Serra.Uma terceira opção, inclusiva, que vale tanto para o caso da vitória de um quanto para a vitória da outra (ver sobre a Lógica do Terceiro Incluído em “A transdisciplinaridade e a modernidade!).

Não me conformo em aceitar um jogo que impõe esta escolha na base do “ou esse ou aquela”, especialmente na base do medo. “A ideologia da direita é o medo”, já nos ensinava Simone de Beauvoir (crédito a Rodrigo Vianna, em “O círculo da direita se fecha: teocracia, censura nas redações, ideologia do medo”, na Carta Maior, sobre a demissão de Maria Rita Kehl na “liberal” Folha ).

Mais que isso. Tenho convicção de que, na era do conhecimento, o Brasil não pode se dar ao luxo de imolar lideranças, o recurso intelectual mais escasso, no altar de um sistema político arcaico. Precisamos de Dilma e de Serra.

Nosso processo eleitoral é BURRO. Podemos mudar o jogo, mesmo antes de uma reforma política que mude as eleições, assim como podemos tornar INTELIGENTES todos os processos, nas empresas, nas cadeias produtivas, nas instituições, na sociedade, no planeta. É o desafio do século 21.

O segundo turno coloca um desafio para quem votou para que houvesse segundo turno… Como construir um hedge (*) para ambos os riscos?

Podemos ter apenas Dilma ou apenas Serra no governo, sim, mas podemos ter outra Dilma e outro Serra, se o contexto no qual um ou outro irá governar for outro. O hedge está na mudança desse contexto.

Creio que a chave para isso está na recusa em aceitar, de ambas as partes, a imposição do jogo do plebiscito, da escolha de “nós” contra “eles”. Denunciar as estratégias de comunicação que confundem o eleitor com essa polarização hipócrita.

Trata-se de colocar para ambos uma agenda positiva de compromissos com mudanças fundamentais. E, quem sabe, em vez de jogar no par ou ímpar, votar naquele que primeiro aderir… Quais seriam esses compromissos? Muitos saberão explicitá-los de forma melhor e mais completa do que eu seria capaz de fazer.: que reforma política, que regulação dos poderes (inclusive da mídia), que taxa de investimento sobre o PIB, que modelo de políticas fiscal e monetária, que critérios de sustentabilidade etc. Limito-me aqui a instigar as lideranças, especialmente aquelas em que votei, nos diversos partidos.

Temos a janela de oportunidade no segundo turno, em que o capital político gerado pelos 20% da Marina fazem da sua neutralidade um ativo precioso para o país, na medida em que um indivíduo (o papel do homem na História) poderá ser ponto de convergência de aspirações de um futuro de sustentabilidade econômica, social, ambiental e política que influenciará aqueles que serão o fiel da balança no dia D da votação.

E tenho certeza de que um movimento neste sentido não termina no dia da votação. É o tiro de partida para uma sociedade que exerça sua inteligência coletiva na promoção de uma reforma política que aprofunde e consolide o jogo democrático com novas instituições à altura das possibilidades do século 21.


Você também pensa assim?

Então aja. Dizem os cientistas das redes sociais que cada um de nós tem 6 graus de distância de qualquer outra pessoa no país. Lembre quais são as SUAS 10 conexões em posições para empurrar essa mudança de jogo. Foi assim que saiu o Ficha Limpa. Em rede. Vamos, temos 20 dias! As redes sociais atingem no mínimo 90% dos municípios do pais, e no mínimo 95% dos eleitores, nem que seja através da padaria mais próxima. Vote num ou noutro, mas também na 3a opção!

Em 2002 foi a Carta aos Brasileiros.

8 anos depois, no mundo 2.0, façamos a Carta DOS Brasileiros!

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(*) Hedge. Técnica usada em Finanças para neutralizar riscos. Se você assumiu dívida em euros, reduza o risco de perder na queda do euro. Basta trocar ativos em outras moedas por ativos em euros. Vendeu opções de compra de ações da Petrobras? Faça o hedge comprando opções que as equilibrem. Sempre há quem tem o risco inverso, e queira vender).

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O aborto da democracia

Caros amigos, amigas, leitoras e leitores,

A "abortização"da discussão política, como está sendo feita por alguns setores religiosos que preocuparam-se em demonizar a candidata Dilma (que em uma entrevista à Folha pos o assunto do aborto em pauta), é não mais do que uma execrável e monstruosa condução. A democracia comporta e promove a liberdade de crença, culto, organização social, e assim por diante. A não crença também é abraçada pela democracia, bem como o cientificismo. A questão do aborto está diretamente ligada à definição de vida e ser, ou mais precisamente, onde é a fronteira do que é "ser" humano na longa linha entre um espermatozóide em busca de um óvulo e um feto formado, e em que ponto desta trajetória a vida é alcançável pelas decisões morais, legais, éticas e religiosas. A ciência não tem esta definição, que esses religiosos enxergam com a absoluta clareza, e que nem a Bíblia fornece. Assim, estes senhores e senhoras usam o ferramental e o conhecimento científico que só pode ser criado com o fim da inquisição, para escrever o que a Bíblia Sagrada não contemplou e o que a ciência também não contemplou. Assim, pretendem legislar e jurisdicionar com eficácia sobre os que democraticamente renunciam a qualquer tipo de confissão religiosa. Em poucas palavras, esses demoniocratas (são os que demonizam tudo o que não concorda com eles) usam da democracia para destruí-la. Esta é a questão de fundo que permeia toda essa celeuma à qual os eleitores que apreciam a democracia devem estar atentos. Trazer a questão teológica e teocrática para o processo eleitoral revela, escancaradamente, os verdadeiros inimigos da democracia, este bem tão fundamental para o ser humano. No momento, admite-se e pratica-se no nosso país a legalidade do aborto em certas condições, como gravidez resultante de estupro, malformações fetais incompatíveis com a vida (anencefalia, por exemplo) e risco de vida à mãe. Particularmente, considero outras violências como causa de gravidez indesejada, comparáveis ao estupro, e acho que o tema deve voltar ao debate laico. Ninguém está proibido em nosso país de criar e educar seus filhos em sistemas religiosos. Mas não podemos admitir que setores religiosos se apropriem da vida dos que estão do lado de fora dos templos, sob nenhum pretexto.

NELSON NISENBAUM

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

TRISTE FIM

Caros leitores e leitoras,

A situação da candidatura de José Serra à presidência da república deve ser percebida não como uma derrota pessoal, mas o resultado de um complexo processo político (como se houvesse algum "simples"...) onde um partido que governa o estado mais rico da nação há 16 anos, e que governou o Brasil por 8, entre outros tantos estados, municípios e os respectivos legislativos, não conseguiu construir uma candidatura convincete, não construiu um discurso minimamente sedutor, e não consegue apresentar nada além de plano real, proer, genéricos e mutirões. Se por um lado, José Serra tem a fama de um temperamento difícil, seguramente tem inteligência e cultura para produzir algo mais do que vem entregando nesta campanha. O PSDB lançou-se na vida política brasileira com uma proposta apresentada à sociedade como culta, acadêmica, realmente alternativa. Mas as experiências e necessidades do pragmatismo do dia-a-dia parecem ter desmantelado o romântico castelo de areia. Não que o plano real não tenha sido a maior conquista da sociedade nos últimos 30 anos ou mais. Mas a conquista foi da sociedade, que confiou a Itamar Franco a missão. Ele é o verdadeiro pai, que a mídia tratou de congelar. Mas isto é outro assunto. O fato é que temos hoje uma situação de um governo bem sucedido de um lado e a ausência total de uma oposição que traga um modelo verdadeiramente alternativo e um candidato com personalidade mais fácil. Isto mostra que o partido não teve uma "visão de estado" interna, provavelmente não foi tão "social-democrata" quanto sua sigla pretende, pois congelou-se em pessoas e idéias, e foi literalmente atropelado pela história. Esta é a motivação deste artigo - chamar a atenção do leitor para o fato de que o partido oferece à sociedade, quando governa, exatamente aquilo que tem por dentro. Ao longo dos últimos anos o PT mostrou à sociedade exatamente o que ele é: um partido com múltiplas correntes, gente boa, gente ruim, mas capaz de inovar nos métodos e nas pessoas, deixando a grande política acima das pequenezas que fazem parte da vida. E o eleitor percebe isso, ele tem em sua memória o antigo discurso radical do PT, mas compreendeu que o discurso é sempre mais pontiagudo do que a realidade, e foi muito atento ao fato de ter sido governado por um partido que não promoveu rupturas e conflitos, atendendo assim às grandes vocações populares, que desejam transformações sem sustos. Sustos e rupturas que não faltaram no governo FHC. O mistério que permanece - pelo menos para mim - é a aceitação de Alckmin em SP, este que está há 15 anos (6 como vice, 6 como governador, 3 como secretário de estado - alguém lembra?) e merece o troféu "feijão com arroz, bife e batata frita". Peço a algum analista político profissional que responda a esta pergunta, derivada te tão dissonante acorde da política atual. Por fim, independentemente do lado em que se está, a história de José Serra toma contornos muito tristes.

NELSON NISENBAUM

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A ESPIRITUALIDADE É PARA A VIDA

Caros leitores e leitoras,


A matéria abaixo, publicada no DGABC de ontem, traz entrevista com o líder islâmico de S.Bernardo do Campo, onde trata da pena de morte imposta a uma cidadã iraniana, supostamente por adultério. Independentemente das questões de soberania de estado que podem e são invocadas pela diplomacia internacional, chama-nos a atenção o conteúdo da mensagem do referido líder espiritual. Entendemos que nas suas palavras está contida tão somente uma análise legalista, o que evidentemente não é o que se espera quando se entrevista um religioso. Ao não acrescentar absolutamente nada à letra fria da lei iraniana, ao não tecer qualquer tipo de suporte espiritual, o sheik parece endossar o que lá se passa, eximindo-se de qualquer sentimento de compaixão com a suposta pecadora. No limite, deixa nas entrelinhas que no seu entendimento como líder islamita o mesmo poderia - talvez deveria - ocorrer aqui, no nosso país.

Nós, autores deste texto, estamos em público rejeitando qualquer iniciativa ou movimento que pretenda confundir legislação religiosa com legislação civil, tendo claro que não é função de nenhuma religião dispor sobre a vida de qualquer ser, humano ou não. Temos o claro entendimento de que a espiritualidade e a religião são as mensageiras da vida, da esperança e das transformações, inclusive a dos pecadores.

Em artigo publicado pelo mesmo sheik Jihad, em revista sobre religião, o clérigo afirmou que Jesus revogou o Antigo Testamento, estabelecendo a Sua nova lei; e que Maomé revogou o Novo Testamento, estabelecendo uma lei mais nova e soberana sobre as anteriores. Afirmou, contudo, que Jesus não morreu, e que voltará para completar a sua obra. Ora, com certeza, Jesus não voltará contrariando uma de suas maiores contribuições para a compreensão do que é ser humano, contida na frase "... quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra."

Temos a mais absoluta convicção que o Grande Arquiteto do Universo não será agradado pela brutalidade que está por vir com a pobre mulher
iraniana. E lamentamos, profundamente, que o líder de uma respeitável cultura tenha renunciado à sua função de espiritualista, ao se manifestar de forma tão fria e materialista.

NELSON NISENBAUM
MOYSES CHEID JUNIOR

Apedrejamento de viúva instiga debate entre lideranças

Bruna Gonçalves
Diário do Grande ABC

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A história da iraniana Sakineh Mohammadi-Ashtiani condenada à morte por apedrejamento em seu país por adultério gerou discussão no mundo e divide opiniões.

Sakineh foi condenada à morte em 2006 por ter mantido "relação ilegal" com dois homens, após o assassinato de seu marido.

Para o presidente do Conselho de Ética da União Nacional da Entidades Islâmicas do Brasil o sheik Jihad, de São Bernardo, é preciso respeitar as leis de cada país. "Temos de analisar o caso para ver se a lei foi infringida. Se a mulher cometeu adultério e for comprovado por quatro testemunhas oculares, deverá cumprir a lei que determina apedrejamento. Em casos de homens, a determinação é a mesma".

Ele cita que todos conhecem as leis de seu país. "A pessoa que rouba no Brasil sabe que pode ser presa. Ou seja, ela comete uma ação sabendo das consequências. É assim em todos os países", afirmou.

Enquanto isso, advogados discordam da atitude. "Em pleno século 21, é inadmissível que uma pessoa que tenha cometido adultério seja apedrejada. Não tem como aceitar que um ser humano seja castigado por essa conduta. Mesmo sob manto da religião", disse o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo Martim de Almeida Sampaio.

O CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher) encaminhou uma carta ao embaixador do Irã, no Brasil, referindo-se à inviolabilidades do direito à vida e à proibição da pena de morte.

Para o professor de ciência política e direito de Estado da Faculdade de Direito de São Bernardo Jonathan Hernandes Marcontonio a pressão da mídia tem um papel diferenciado.

"A mulher é muito frágil e oprimida nos países do oriente. É um caso que terá muita discussão e terá intervenções. No caso, o Brasil ofereceu, em julho, asilo político. Sua postura foi de maneira emblemática como defensor das matrizes dos direitos humanos e da política da boa vizinhança."

Jonathan cita um caso em que a mídia contribuiu para o desfecho. "A nigeriana Amina Lawal, que em 2002 foi condenada - havia se casado e engravidado após o desaparecimento do marido - por lapidação (é enterrada até o pescoço e pessoas ficam apedrejando até a morte) foi absolvida após pressão de órgãos internacionais."

Advogado - Para os especialistas, a fuga do advogado da iraniana Mohammad Mostafei do Irã para pedir asilo político em outro país reforça o caráter autoritário do país. "Ele exercia o legítimo direito de defesa. Já defendeu 40 pessoas, a maioria mulheres, e conseguiu tirar 14 do corredor da morte", disse Sampaio.