segunda-feira, 12 de abril de 2010

NOVA ÉTICA, PESSOAS VELHAS.

Caros amigos e amigas,

Com grande alarde e espetáculo anuncia-se o novo código de ética médica, trazendo à tona, por meio de reportagens, as grandes angústias da sociedade em relação a este bem tão complexo chamado medicina. Li e reli algumas vezes o novo código, confrontando-o com o anterior, e confrontando-me com a experiência de quase 6 anos que estive frente à Delegacia Regional do CREMESP em S.Bernardo do Campo e Diadema. O código anterior não era ruim. Pelo contrário, era um código que em relação ao que o precedeu fazia um sensível movimento em direção às causas da sociedade, inspirado por um olhar solidário, humanístico, voltado aos interesses dos doentes. Seus termos eram abrangentes, simples, concisos e conceituais. Um belo código. Nem por isso, as angústias da sociedade foram mitigadas, pelo que se viu nas reportagens apresentadas sobre o assunto. O novo código preserva a maioria dos princípios do anterior, inovando apenas na explicitação de certas normas que eram implícitas, mas bem presentes. O que não foi colocado em discussão com a sociedade foi justamente a estrutura dos conselhos que irão "administrar" o novo código, que serão exatamente os mesmos de sempre. Ou seja, os "operadores" da "nova" ética serão os mesmos, bem como seu modus operandi. Em outras palavras, o mesmo sistema que não conseguiu fazer valer o código anterior - a se julgar pelo conteúdo das matérias referentes ao tema apresentadas pela mídia - quer dizer à sociedade que o fará pelo novo código. Respeitosamente discordo. Como médico atuante há 25 anos, tanto no setor público como no privado, e em diversas instâncias da política médica, posso assegurar que tudo isso não passa de espetáculo, que pode ter um efeito contrário: A ampla divulgação de fatos incorretamente tidos como novos, pode ensejar uma nova avalanche de denúncias e processos nos já atolados conselhos, que em alguns casos tem levado quase uma década até as decisões. O que não foi mudado é o feudalismo que norteia as relações políticas que sustentam certos grupos nos conselhos, que há duas décadas não tem renovação, como no exemplo do estado de S.Paulo, onde o poder econômico-financeiro decide as eleições, sem qualquer fiscalização por parte das instituições democráticas da sociedade.

Não se muda uma sociedade através de códigos; os atos das pessoas investidas de poder é que o fazem - se assim quiserem. Códigos apenas dão formalidade ao que já está estabelecido. No caso da prática médica, pelo menos do ponto de vista da sociedade, quase nada mudará com este código. Ou, melhor dizendo, a parte que pode mudar interessa a parcelas muito pequenas, não significativas ante aos grandes dramas e questões apresentadas pela mídia, que teoricamente eram tão bem atendidas pelo código anterior.

NELSON NISENBAUM

sexta-feira, 9 de abril de 2010

TORTURA, NUNCA MAIS!

Caros amigos e amigas,

Na semana que vem, o STF fará a discussão sobre a lei da anistia, no quesito de sua aplicabilidade aos torturadores. O tema é extremamente sensível, e penso que a sociedade deve se manifestar com todo o vigor sobre o assunto, seja qual for a posição. Particularmente, penso que tortura praticada por agentes do estado é crime monstruoso e não deve ser anistiado. O primeiro contra-argumento seria sobre como classificar os crimes praticados pelos agentes políticos da resistência à ditadura. A questão merece uma reflexão detida, evitando-se as simplificações. Como vítima de violência institucional que fui, como perseguido político dentro de uma adminstração pública municipal, passei a ter outro olhar sobre o que se chama de crime político. Embora eu não tenha recorrido à violência como forma de reação, não posso ser hipócrita e ignorar os baixos instintos e sentimentos que a situação invocou, ainda que em um cenário de democracia e estado de direito - que comprovou-se existir recentemente, ao término da ação judicial que promoveu a minha reintegração definitiva ao quadro funcional da prefeitura de S.Bernardo. Não tiveram a mesma sorte muitos colegas e amigos, que descrentes das instituições, desligaram-se da prefeitura carregando consigo pesados prejuízos financeiros e pessoais. Ressalto, a descrença nas instituições foi tão prejudicial quanto os atos arbitrários e ilegais do ex-prefeito. Tal descrença é indissociável das influências recebidas por essas pessoas, que tiveram suas infâncias, adolescências e início de vida adulta sob a hégide da ditadura que vivemos, onde o estado tudo podia. O comportamento violento da resistência, embora longe da capacidade de compreensão do cidadão comum e longe de uma plena justificativa ao não engajado, tem origem psicossocial, é previsível, é universalmente ocorrente e recorrente, e em alguns cenários, entendo justificável. Como reagir "politicamente" ao Nazi-Fascismo e a outras formas de violência de estado? Não há esta possibilidade, quando as instituições estão controladas pelos agentes de um regime - meios de comunicação, partidos, polícia, exército, tribunais, e assim por diante. Este agigantamento do estado sobre o cidadão naturalmente pressiona certos segmentos à marginalização e à clandestinidade, que por sua vez alimentam o ciclo da violência. Na outra ponta, o agente do estado, agindo sob sua proteção e nas suas dependências, diante de um preso absolutamente indefeso - e muitas vezes inocente, ou melhor, sempre inocente por que não foi julgado - usa da mais brutal e doentia agressão que se pode ter contra um ser vivo, humano ou não, tendo como origem e instrumento o poder já estabelecido. Mesmo nos cenários de guerra, formal e declarada, a tortura não é aceita. O que chama mais à atenção no caso que discutiremos, é a assimetria de poder que se visualiza entre torturador e torturado, bem como a assimetria das motivações, ainda que consideremos o torturado culpado de algum crime. Digo um imenso não à anistia dos torturadores, e espero que o STF entenda como incomparáveis os dois tipos de crime, aquele cometido pelo cidadão em estado de exceção e o cometido pelo agente da exceção.

NELSON NISENBAUM