segunda-feira, 15 de agosto de 2011

PENSÃO ALIMENTÍCIA: HORA DE REPENSAR.

JÁ PASSOU DA HORA


A prisão de um jogador de futebol, na semana passada, por fata de pagamento de pensão alimentícia, e no caso, conforme ressaltou a imprensa, com um débito próximo a um milhão de reais, põe a sociedade de frente a uma questão seríssima que aparentemente nunca foi levada realmente a sério.


Conceitualmente, etimologicamente, e segundo a própria definição do código civil, a pensão alimentícia tem a finalidade de garantir as mínimas condições de vida para uma pessoa humana incapaz de sustentar-se, e que pode ser demandado por qualquer pessoa nesta condição a seus familiares mais próximos. Mais comummente, é o que ocorre entre filhos e os genitores, quando estes últimos estão separados por qualquer motivo.


O que temos visto, entretanto, e o caso do jogador é um ótimo exemplo, é que os valores das pensões tem sido pautados muito mais pela “capacidade financeira” do pensionante do que pela verdadeira necessidade do pensionado, invertendo o significado moral do binômio necessidade / possibilidade. Originalmente, entendo claramente que o bem absoluto é a necessidade, que pode ser sempre calculado com uma boa dose de objetividade, sendo a possibilidade o parâmetro relativizante. Ora, a necessidade envolve um rol de bens e serviços essenciais à nutrição, vestimenta, educação, moradia, atividades sociais, entre outros, que deve ter como balizador a condição média das pessoas de mesma idade que convivem naquele grupo social em que se insere o pensionado.


Neste ponto, pergunta-se de imediato: A que finalidade atende um valor de pensão que ultrapassa enormemente as condições médias do meio onde vive o pensionado? A que finalidade presta-se a transferência financeira de um vultoso recurso a quem jamais teve a capacidade de produzi-lo ou mesmo de gerenciá-lo? No caso específico, o jogador de futebol passou por um tempo de “vacas gordas” que levou-o a pensionar seu(s) filhos, 2, se bem me lembro, com um valor de dezenas de milhares de reais. Passa o tempo, e o jogador se vê em condição financeira pior, sem condições de manter o pagamento, e termina preso com o absurdo débito impagável. Alguém poderia asseverar de imediato que a ação revisional de alimentos presta-se a isso. Pois bem, conheço um caso onde uma ação revisional onde a parte oposta obteve justiça gratuita, e utilizando-se de todos os recursos jurídicos possíveis protelou a ação por mais de 5 anos, o que arruinou definitivamente a situação do pensionante, que já era processado por um retroativo, e ainda que tendo sido vencedor na revisional não pode ver reconhecidos e compensados os valores que pagou em excesso por tantos anos.


Mais do que isto, valores elevados de pensão servem como verdadeiro estímulo à acomodação da parte oposta na situação não produtiva ou não laborativa, favorecendo claramente que use os proventos em benefício próprio, grandemente dissociado do benefício estrito do pensionado. E para piorar, a parte oposta se vê compelida a gastar tudo o que recebe, pois qualquer indício de acúmulo financeiro, poupança ou patrimônio pode servir como pretexto ao pensionante para uma revisional.


Não são estes os únicos casos, e provavelmente cada um dos(as) leitores(as) deve ter conhecimento direto ou indireto de casos semelhantes.


O fato importante é que a regulamentação sobre o tema e o posicionamento do judiciário aparentemente ultrapassam até as fronteiras do que conhecemos por “letra fria da lei”, metáfora que jamais deveria tomar forma concreta em nenhum contexto, dado que a lei tem finalidade, e esta, por sua vez, substrato moral. Assim, fica o resultado operacional deste sistema muito distante de seu objetivo primário, sem prejuízo de outros efeitos colaterais e adversos que aprofundam os desgastes que em nada interessam ao pensionado, especialmente quando criança e adolescente.


Penso, concluindo, que a atual realidade deste tema está longe de contemplar soluções racionais para esta delicada questão, e que a sociedade vem mostrando uma certa preguiça de debruçar-se e produzir algo mais próximo do desejável, além de mostrar pudores muito estreitos quando adere à “espetaculocracia” protagonizada pela mídia e pelos coloquiais bate-papos de botequim.


O desenvolvimento e a educação dos seres humanos, em especial, das crianças e adolescentes, merece um pouco mais do que isso.


NELSON NISENBAUM



sexta-feira, 5 de agosto de 2011

HIPOGLICEMIANTE TOMAVA A SUA AVÓ!

Eu era criança quando pela primeira vez ouvi o nome "Diabinese". Meu avô Luiz tomava diariamente o medicamento. A substância, a clorpropamida, "bombava" na época. Baixava mesmo a glicemia, mas com frequência, muito além do que deveria. Não me lembro de tê-lo visto com hipoglicemia, mas muitos anos mais tarde, já na faculdade de medicina, tive aquelas aterrorizantes aulas sobre diabetes. Se você tratasse com muito rigor, o doente entrava em coma hipoglicêmico. Se não tratasse com o suficiente rigor, mais tarde ele teria retinopatia diabética e ficaria cego. Teria pés e pernas amputadas, se sobrevivesse aos infartos do miocárdio. Ou, sofreria com a insuficiência renal e tantas outras agruras. Não sabíamos o que era ou o que significava exatamente a resistência à insulina. E, a então moderníssima glibenclamida (conhecida nos EUA como gliburide) sob o mágico nome de "Daonil" prometia uma ação um pouco mais suave que o Diabinese com menor risco de hipoglicemia. Só menor, o risco era líquido e certo. A fenformina, precursora da metformina era muito pouco popular, e nem tive aula sobre ela. Mal sabíamos o mecanismo de ação dessas drogas.

Sem grandes progressos em perspectiva, ainda assim os diabéticos diagnosticados entre 1965 a 1980 vivem ou viveram em média 15 anos a mais que os diagnosticados entre 1950 e 1964, apontam estudos publicados no último congresso americano de diabetes. É muita coisa, e considerando-se que nas respectivas épocas o que se tinha como arma eram os hipoglicemiantes, muita reflexão deve ser feita sobre a importância do controle glicêmico. Mas o banho de água gelada veio com o UKPDS, que consagrou a máxima (que este autor contesta atualmente) de que a doença evolui inexoravelmente à piora e à insulinodependência.

Ao final da década de 90 aquele mesmo estudo, consagrava a metformina como ferramenta medicamentosa segura e eficaz na redução dos danos e mortes pela doença. Quase concomitantemente, as glitazonas mostravam sua força, com diferentes mecanismos de ação em relação à metformina, mas com um alvo comum, a resistência à insulina, àquela época já reconhecida como fundamento da doença no tipo adulto. Naquela mesma esquina da história, as glinidas (repaglinida e nateglinida) buscavam seu espaço como o que seria a "insulina rápida" por via oral, a serem utilizadas às refeições. Menção honrosa à acarbose, com seu efeito retardador de aborção de carboidratos.

Alguns anos mais à frente, surgem as gliptinas, com sua capacidade de reduzir a secreção de glucagon e estimular a secreção de insulina de um modo glicose-dependente, além de diversos efeitos extra-glicêmicos.

Durante quase uma década, este autor frequentou numerosos cursos, simpósios e debates, e concluiu que o problema da resistência à insulina estava sub-tratado. A maioria dos estudos e casuísticas utilizava-se de uma única ferramenta, na maioria a metformina, e na minoria, uma glitazona. No último congresso do ADA, surgiram diversos estudos com a conjugação metformina-pioglitazona, mostrando desfechos melhores do que os anteriores. Houve ainda estudos envolvendo metformina-pioglitazona-gliptina, com desfechos ainda superiores. E é neste ponto que quero chegar: Temos hoje um esquema de tratamento que envolve dois sensibilizadores de insulina (quase uma ofensa esta simplificação de seu mais que complexo mecanismo de ação) e uma nova classe que reduz fortemente a glicogênese hepática além de "civilizar" as combalidas ou não células beta (produtoras de insulina). Venho tendo excelentes resultados com este esquema terapêutico que utilizo desde o lançamento das gliptinas há 3 anos, sendo claríssimo, pelos resultados laboratoriais dos pacientes, que atingem-se metas de HBA1C melhores do que as recomendadas sem uma única ocorrência de hipoglicemia. Claro que isto envolve custo, mas nos últimos 11 anos, ao contrário do que afirmava o UKPDS, nenhum dos meus pacientes evoluiu para insulinodependência, havendo casos, onde com a adição da gliptina, o "hipoglicemiante" pode ser abandonado.

Deve-se sempre ressaltar que minhas experiências não tem valor científico, e refletem tão somente a realidade dos meus pacientes e a minha. Entretanto, felizmente, a ciência não deixou de confirmar os achados deste pequeno universo.

Mas, destes tantos anos que milito na área do diabetes, posso ousar e antecipar este aforisma: Hipoglicemiante tomava a sua avó (e o meu avô). Agora, a doença tem tratamento. Proponho o termo "euglicemiante" para a estratégia terapêutica voltada à normalização da glicemia e da excursão glicêmica.

Declaro a inexistência de conflitos de interesse.

NELSON NISENBAUM
Especialista em Clínica Médica
Gerente de Auditoria em Saúde na Sec.Saúde de S.Bernardo do Campo/SP

segunda-feira, 1 de agosto de 2011

OS ASSALTANTES DA CONSCIÊNCIA

Os assaltantes da consciência
Jornal do Brasil
Mauro Santayana

http://www.jb.com.br/coisas-da-politica/noticias/2011/07/29/os-assaltantes-da-consciencia/

Muitos cometemos o engano de atribuir a Goebbels a ideia da manipulação das massas pela propaganda política. Antes que o ministro de Hitler cunhasse expressões fortes, como Deutschland, erwacht!, Edward Bernays começava a construir a sua excitante teoria sobre o tema.

Bernays, nascido em Viena, trazia a forte influência de Freud: era seu duplo sobrinho. Sua mãe foi irmã do pai da psicanálise, e seu pai, irmão da mulher do grande cientista. Na realidade, Bernays teve poucas relações pessoais com o tio. Com um ano de idade transferiu-se de Viena para Nova York, acompanhando seus pais judeus. Depois de ter feito um curso de agronomia, dedicou-se muito cedo a uma profissão que inventou, a de Relações Públicas, expressão que considerava mais apropriada do que “propaganda”.

Combinando os estudos do tio sobre a mente e os estudos de Gustave Le Bon e outros, sobre a psicologia das massas, Bernays desenvolveu sua teoria sobre a necessidade de manipular as massas, na sociedade industrial que florescia nos Estados Unidos e no mundo. O texto que se segue é ilustrativo de sua conclusão:

“A consciente e inteligente manipulação dos hábitos e das opiniões das massas é um importante elemento na sociedade democrática. Os que manipulam esse mecanismo oculto da sociedade constituem um governo invisível, o verdadeiro poder dirigente de nosso país. Nós somos governados, nossas mentes são moldadas, nossos gostos formados, nossas ideias sugeridas amplamente por homens dos quais nunca ouvimos falar. Este é o resultado lógico de como a nossa “sociedade democrática” é organizada. Vasto número de seres humanos deve cooperar, desta maneira acomodada, se eles têm que conviver em sociedade. Em quase todos os atos de nossa vida diária, seja na esfera política ou nos negócios, em nossa conduta social ou em nosso pensamento ético, somos dominados por um relativamente pequeno número de pessoas. Elas entendem os processos mentais e os modelos das massas. E são essas pessoas que puxam os cordões com os quais controlam a mente pública”.

Bernays entendeu que essa manipulação só é possível mediante os meios de comunicação. Ao abrir a primeira agência de comunicação em Nova York, em 1913 – aos 22 anos – ele tratou de convencer os homens de negócios que o controle do mercado e o prestígio das empresas estavam “nas notícias”, e não nos anúncios. Foi assim que inventou o famoso press release. Coube-lhe também criar “eventos”, que se tornariam notícias. Patrocinou uma parada em Nova York na qual, pela primeira vez, mulheres eram vistas fumando. Contratou dezenas de jovens bonitas, que desfilaram com suas longas piteiras – e abriu o mercado do cigarro para o consumo feminino. Dele também foi a ideia de que, no cinema, o cigarro tivesse, como teve, presença permanente – e criou a “merchandising”. É provável que ele mesmo nunca tenha fumado – morreu aos 103 anos, em 1995.

A prevalência dos interesses comerciais nos jornais e, em seguida, nos meios eletrônicos, tornou-se comum, depois de Bernays, que se dedicou também à propaganda política. Foi consultor de Woodrow Wilson, na Primeira Guerra Mundial, e de Roosevelt, durante o “New Deal”. É difícil que Goebbels não tivesse conhecido seus trabalhos.
“A técnica de manipulação das massas é simples, sobretudo quando são conhecidos os mecanismos da mente”

A técnica de manipulação das massas é simples, sobretudo quando se conhecem os mecanismos da mente, os famosos instintos de manada, aos quais também ele e outros teóricos se referem. O “instinto de manada” foi manipulado magistralmente pelos nazistas e, também ali, a serviço do capitalismo. Krupp e Schacht tiveram tanta importância quanto Hitler. Mas, se sem Hitler poderia ter havido o nazismo, o sistema seria impensável sem Goebbels. E Goebbels, ao que tudo indica, valeu-se de Bernays, Le Bon e outros da mesma época e de ideias similares.

A propósito do “instinto de manada” vale a pena lembrar a definição do fascismo por Ortega y Gasset: um rebanho de ovelhas acovardadas, juntas umas às outras pelo com pelo, vigiadas por cães e submissas ao cajado do pastor. Essa manipulação das massas é o mais forte instrumento de dominação dos povos pelas oligarquias financeiras. Ela anestesia as pessoas — mediante a alienação — ao invadir a mente de cada uma delas, com os produtos tóxicos do entretenimento dirigido e das comunicações deformadas. É o que ocorre, com a demonização dos imigrantes “extracomunitários” nos países europeus, mas, sobretudo, dos procedentes dos países islâmicos. Acossados pela crise econômica, nada melhor do que encontrar um “bode expiatório” — como foram os judeus para Hitler, depois da derrota na Primeira Guerra — e, desesperadamente, organizar nova cruzada para a definitiva conquista da energia que se encontra sob as areias do Oriente Médio. Se essa conquista se fizer, há outras no horizonte, como a dos metais dos Andes e dos imensos recursos amazônicos. Não nos esqueçamos da “missão divina” de que se atribuía Bush para a invasão do Iraque — aprovada com entusiasmo pelo Congresso.

É preciso envenenar a mente dos homens, como envenenada foi a inteligência do assassino de Oslo — e desmoralizar, tanto quanto possível, as instituições do Estado Democrático — sempre a serviço dos donos do dinheiro. Quem conhece os jornais e as emissoras de televisão de Murdoch sabe que não há melhor exemplo de prática das ideias de Bernays e Goebbels do que a sua imensa empresa.

São esses mesmos instrumentos manipuladores que construíram o Partido Republicano americano e hoje incitam seus membros a impedir a taxação dos ricos para resolver o problema do endividamento do país, trazido pelas guerras, e a exigir os cortes nos gastos sociais, como os da saúde e da educação. Essa mesma manipulação produziu Quisling, o traidor norueguês a serviço de Hitler durante a guerra, e agora partejou o matador de Oslo.