domingo, 26 de julho de 2009

EM OUTRAS PALAVRAS...

Caros amigos, recomendo a leitura deste texto de DORA KRAMER, publicado no Estado de S.Paulo de hoje (26/7/09). Abraços a todos,
Nelson

Melhorar é possível

Dora Kramer

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O enunciado é conhecido: político não nasce em Marte nem dá em árvore. Se dispõe de mandato, está no Legislativo ou no Executivo, chegou lá por escolha do eleitorado.

Em grande parte, votantes com experiência de 27 anos no ramo, sem contar os praticantes da era anterior ao regime militar. Portanto, se escorar na teoria Pelé (brasileiro não sabe votar) ou culpar a ditadura não exime ninguém da responsabilidade pela qualidade da escolha.

O período autoritário alimentou o analfabetismo político, interditou o surgimento de novas lideranças, afastou a política da sociedade, atrasou brutalmente o processo? Verdade.

A mudança da capital do Rio para Brasília isolou os políticos num mundo à parte? Até certo ponto. Governos estaduais, Assembleias Legislativas e Câmaras Municipais estão "perto do povo" e nem por isso são centros de referência em termos de espírito público, boa conduta e consciência ética.

Na maioria dos casos, são instituições muito menos fiscalizadas e mais dadas a vários tipos de vícios insanáveis que aquelas localizadas na Praça dos Três Poderes e ao longo da Esplanada dos Ministérios.

Mudanças na legislação eleitoral e partidária, a chamada reforma política tal como é hoje concebida é a salvação da pátria? Nada mais falso. Se lei sozinha desse jeito em alguma coisa, o Brasil, com a forte vocação jurídica expressa numa Constituição extremamente detalhista, seria o paraíso da legalidade e da moralidade, no sentido de respeito à ética.

Menos de 30 anos corridos de democracia é muito pouco tempo face a quase um século de intermitências institucionais? Certamente, mas é essa a nossa condição e com ela é preciso lidar.

Muitas coisas são novas no Brasil e, no entanto, a sociedade aprendeu rapidamente a atuar dentro das novas regras. A adaptação à estabilidade monetária é a prova. O brasileiro incorporou o conceito e com isso consolidou um padrão de comportamento.

Não é, portanto, absurdo pensar que o cidadão possa fazer o mesmo na política: obrigar o agente público a se adaptar a um novo modelo de conduta.

Como qualquer outro mercado, o eleitoral também é regido pela lei da oferta e da procura. Se há grande volume mercadoria podre em circulação na política, é porque há aceitação do produto.

Quando a neta do senador José Sarney telefona para o pai pedindo interferência para empregar o namorado na "vaga da família" no Senado, não age diferente de uma imensidão de brasileiros que compartilha da tese de que é bobo quem não tira vantagem de uma oportunidade favorável.

Tal tipo de atitude se manifesta no cotidiano das pessoas. Pobres, remediadas, ricas, cada uma de acordo com suas possibilidades e capacidades, raramente deixa passar a chance de obter um benefício, mesmo ao arrepio da boa ética.

Se o político depois de eleito pratica o fisiologismo em parceria com quem tem o poder de beneficiá-lo, se não for parlamentar "de opinião", para se eleger é obrigado a ceder à sanha fisiológica de seus pretensos eleitores.

Mas, digamos que por força de uma hipotética e irrealista tomada de consciência coletiva ou por ação de um líder que se dispusesse a organizar o ambiente e conduzir um projeto de depuração cultural, o eleitor mudasse.

Mas mudasse de verdade, revogando a lei de Gérson nas pequenas coisas do dia a dia. Que passasse a incorporar o valor do caráter entre suas exigências eleitorais, buscando em cada candidato o mérito e não a capacidade de auferir proveitos.

Convertesse toda essa indignação à deriva em energia transformadora e dissesse: agora chega de gente de quinta. Olhasse para um deputado que se lixa para a opinião pública e sem cerimônia se orgulha da tolerância obtida em sua província, e se sentisse realmente ofendido.

Não desapareceriam os malfeitores. Mas, da mesma forma como hoje não há mais quem ouse sair defendendo que um pouquinho de inflação tem lá sua serventia, diminuiria a quantidade de políticos dispostos a abraçar a causa da transgressão de resultados.

Não precisam ser candidatos a santos. Basta apenas que renunciem às orgias de desfaçatez e se conduzam dentro dos marcos normais da civilidade, do respeito ao próximo e do acatamento das regras universais das pessoas que se pretendem razoavelmente sérias.

Político identifica a direção do vento, mede a força das marés e, quando se trata de ganhar votos, não contraria a natureza.

Imposto num patamar mais escrupuloso de demandas, a consequência natural é que a escolha recaia sobre políticos que se enquadrem à nova filosofia.

Os que não se enquadram são naturalmente expelidos, rebaixados de importância ou acabam mudando por absoluta falta de aceitação de mercadoria podre no mercado eleitoral.

Simples? Complicadíssimo. Mas, o bom é sempre difícil, o ótimo quase impossível e o excelente é o motor da humanidade na busca da construção de um mundo cada vez melhor.

O PRESIDENTE LULA SABE O QUE FALA

Caros amigos,
Quando o presidente Lula "defende" José Sarney, e pede respeito à biografia de investigados, ele sabe muito bem o que está falando. Por mais que possam-se torcer os narizes aos odores do noticiário político recente, na realidade não há nada de recente. A história é muito antiga. A diferença é que hoje sabemos mais dos mesmos. Sarney, senado, câmara, assembléias legislativas, câmaras de vereadores, e outras coisas, fazem parte de nossa democracia, de nossa história, de nosso processo evolutivo. Tomando Sarney como exemplo, com suas décadas de predomínio na política nacional, quais foram as práticas e preceitos que levaram este senhor a todos os cargos que já ocupou em sua extensa biografia? Quantas vezes foi este senhor questionado pelos seus pares, pela imprensa, pela sociedade em geral? O que fez José Sarney diferente de ACM, Jader Barbalho, Renan Calheiros, entre outros? Parece-me que muito pouco. Isto que chamamos e pensamos como corrupção nada mais é do que a vida diária e trivial para eles.
Quando o presidente fala em biografias, fala com a autoridade de quem teve a própria biografia literalmente "esculachada" durante quase toda a sua vida política. E fala com a autoridade de um reconhecido líder mundial que é hoje. Longe de qualquer ressentimento, quer promover o respeito à vida pessoal e à história política de cada um, embora tenha tido a sua própria verdadeiramente linchada.
Ninguém haverá de concordar ou apoiar o espírito patrimonialista que norteia nossos políticos. Mas ninguém haverá de negar que isto não é novidade, e que a sociedade sempre tratou o assunto com a devida leniência e certa cumplicidade, característica cultural mais que bem conhecida e tratada nos meios acadêmicos. Entretanto, dentro e apesar de todo esse mundo "corrupto", temos o valor maior que é a liberdade de expressão, liberdade política, e instituições que vem evoluindo ao longo das últimas duas décadas. Em suma: vivemos em um país melhor do que tínhamos há 10 ou 20 anos atrás. Que manifestem-se aqueles cuja vida piorou, em um balanço geral dos últimos 20 anos. Coisas da democracia.
Quando os rompantes de moralismo atropelam a biografia do cidadão, é a própria democracia que está em risco. Vimos isso em 1964 e pagamos por isso até hoje. Quando o presidente pede respeito, pede na realidade que não se julgue a pessoa apenas pelos seus erros, mas que também examinem-se seus acertos. É simples assim. Deputados, senadores, vereadores, governadores, todos respondem a verdadeiros vulcões de pressão política dos vários segmentos que representam ou que são por eles sustentados. Assim é o jogo, sempre foi e sempre será. Não é bonito nem limpo.
O que o presidente quer, é que se apure e se julgue corretamente, mas sem violência barata, sem banalizações, sem reducionismos. Pede respeito à história, à nossa história. Fala com a autoridade de quem vai entregar um país melhor do que recebeu. E para entregar ao sucessor ou sucessora de seu desejo, tem que defender as forças políticas que o sustentam. É assim aqui, é assim nos EUA, na Alemanha, na Suíça e no Japão. O presidente sabe o que fala.