sexta-feira, 2 de março de 2012

Morando e sua moral desmoralizante

É com grande alarde que se noticia a proximidade da sanção da "lei da ficha limpa" para o estado de S.Paulo, de autoria do deputado estadual Orlando Morando. Sem dúvida, o discurso moralista adotado por boa parte da grande mídia e ecoado por setores da sociedade organizada tenta dar o tom do debate político, em prejuízo de outras análises estratégicas ou até mesmo científicas que com mais propriedade e sem vícios de origem poderiam trazer ao cidadão comum um quadro mais nítido da realidade.

A referida lei estadual nasce com um vício de origem, ou seja, vem na esteira da recente "constitucionalização" da lei federal homóloga no STF, esta sim representativa do preenchimento de uma eventual lacuna formal dos princípios da carta maior, que não foi, pelas mentes dos supremos magistrados, suficientemente clara quanto a abrangência dos princípios da moralidade, impessoalidade, finalidade e eficiência que devem ser exercidos pelos detentores de funções públicas.

Na sua propositura, o ilustre deputado simplesmente estapeia todo o aparato jurídico-institucional existente no que tange à natureza e abrangência de um robusto conjunto de leis e princípios magnos já existentes, que regem a administração pública não de hoje, mas desde 1988. Tenta ele, subliminarmente, dizer à sociedade que tais princípios e leis como o estatuto do servidor público, a lei da improbidade administrativa, leis e códigos de conduta de servidores públicos nas três esferas de governo, entre outros, seriam insuficientes para balizar a conduta dos respectivos ocupantes desses cargos e funções, ou insuficientes em termos de possível enquadramento de mal feitos.

Ao avalizar o projeto, tanto a assembléia legislativa como o governador do estado estarão por sua vez estapeando a inteligência do cidadão comum, tentando mostrar à sociedade um serviço que em absoluto nada vale, e que tem poucas chances de produzir alguma consequência. Se todo o aparato existente não consegue dar conta da sempre alegada situação escabrosa da moralidade pública, já resta provado no nascedouro que um novo instrumento não tem chance de vingar. No âmago da questão, o projeto e sua aprovação são mesmo uma confissão de culpa e incompetência de um governo de quase duas décadas que confundiu moralização da administração pública com dilapidação do patrimônio público.

Na esteira do adágio popular que reza que nem tudo é o que parece, esta lamentável iniciativa que pretende ser vendida à sociedade como princípio moralizante, é na realidade uma obra pífia que só contribui para a desmoralização das instituições republicanas que levamos tanto tempo a conquistar. Mais contribuiria o ilustre deputado se fosse capaz de um verdadeiro debate ideológico, provocador e transformador para a sociedade. Mas infelizmente, parece ser capaz apenas de promover o enxugamento de gelo.