sexta-feira, 20 de agosto de 2010

TRISTE FIM

Caros leitores e leitoras,

A situação da candidatura de José Serra à presidência da república deve ser percebida não como uma derrota pessoal, mas o resultado de um complexo processo político (como se houvesse algum "simples"...) onde um partido que governa o estado mais rico da nação há 16 anos, e que governou o Brasil por 8, entre outros tantos estados, municípios e os respectivos legislativos, não conseguiu construir uma candidatura convincete, não construiu um discurso minimamente sedutor, e não consegue apresentar nada além de plano real, proer, genéricos e mutirões. Se por um lado, José Serra tem a fama de um temperamento difícil, seguramente tem inteligência e cultura para produzir algo mais do que vem entregando nesta campanha. O PSDB lançou-se na vida política brasileira com uma proposta apresentada à sociedade como culta, acadêmica, realmente alternativa. Mas as experiências e necessidades do pragmatismo do dia-a-dia parecem ter desmantelado o romântico castelo de areia. Não que o plano real não tenha sido a maior conquista da sociedade nos últimos 30 anos ou mais. Mas a conquista foi da sociedade, que confiou a Itamar Franco a missão. Ele é o verdadeiro pai, que a mídia tratou de congelar. Mas isto é outro assunto. O fato é que temos hoje uma situação de um governo bem sucedido de um lado e a ausência total de uma oposição que traga um modelo verdadeiramente alternativo e um candidato com personalidade mais fácil. Isto mostra que o partido não teve uma "visão de estado" interna, provavelmente não foi tão "social-democrata" quanto sua sigla pretende, pois congelou-se em pessoas e idéias, e foi literalmente atropelado pela história. Esta é a motivação deste artigo - chamar a atenção do leitor para o fato de que o partido oferece à sociedade, quando governa, exatamente aquilo que tem por dentro. Ao longo dos últimos anos o PT mostrou à sociedade exatamente o que ele é: um partido com múltiplas correntes, gente boa, gente ruim, mas capaz de inovar nos métodos e nas pessoas, deixando a grande política acima das pequenezas que fazem parte da vida. E o eleitor percebe isso, ele tem em sua memória o antigo discurso radical do PT, mas compreendeu que o discurso é sempre mais pontiagudo do que a realidade, e foi muito atento ao fato de ter sido governado por um partido que não promoveu rupturas e conflitos, atendendo assim às grandes vocações populares, que desejam transformações sem sustos. Sustos e rupturas que não faltaram no governo FHC. O mistério que permanece - pelo menos para mim - é a aceitação de Alckmin em SP, este que está há 15 anos (6 como vice, 6 como governador, 3 como secretário de estado - alguém lembra?) e merece o troféu "feijão com arroz, bife e batata frita". Peço a algum analista político profissional que responda a esta pergunta, derivada te tão dissonante acorde da política atual. Por fim, independentemente do lado em que se está, a história de José Serra toma contornos muito tristes.

NELSON NISENBAUM

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A ESPIRITUALIDADE É PARA A VIDA

Caros leitores e leitoras,


A matéria abaixo, publicada no DGABC de ontem, traz entrevista com o líder islâmico de S.Bernardo do Campo, onde trata da pena de morte imposta a uma cidadã iraniana, supostamente por adultério. Independentemente das questões de soberania de estado que podem e são invocadas pela diplomacia internacional, chama-nos a atenção o conteúdo da mensagem do referido líder espiritual. Entendemos que nas suas palavras está contida tão somente uma análise legalista, o que evidentemente não é o que se espera quando se entrevista um religioso. Ao não acrescentar absolutamente nada à letra fria da lei iraniana, ao não tecer qualquer tipo de suporte espiritual, o sheik parece endossar o que lá se passa, eximindo-se de qualquer sentimento de compaixão com a suposta pecadora. No limite, deixa nas entrelinhas que no seu entendimento como líder islamita o mesmo poderia - talvez deveria - ocorrer aqui, no nosso país.

Nós, autores deste texto, estamos em público rejeitando qualquer iniciativa ou movimento que pretenda confundir legislação religiosa com legislação civil, tendo claro que não é função de nenhuma religião dispor sobre a vida de qualquer ser, humano ou não. Temos o claro entendimento de que a espiritualidade e a religião são as mensageiras da vida, da esperança e das transformações, inclusive a dos pecadores.

Em artigo publicado pelo mesmo sheik Jihad, em revista sobre religião, o clérigo afirmou que Jesus revogou o Antigo Testamento, estabelecendo a Sua nova lei; e que Maomé revogou o Novo Testamento, estabelecendo uma lei mais nova e soberana sobre as anteriores. Afirmou, contudo, que Jesus não morreu, e que voltará para completar a sua obra. Ora, com certeza, Jesus não voltará contrariando uma de suas maiores contribuições para a compreensão do que é ser humano, contida na frase "... quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra."

Temos a mais absoluta convicção que o Grande Arquiteto do Universo não será agradado pela brutalidade que está por vir com a pobre mulher
iraniana. E lamentamos, profundamente, que o líder de uma respeitável cultura tenha renunciado à sua função de espiritualista, ao se manifestar de forma tão fria e materialista.

NELSON NISENBAUM
MOYSES CHEID JUNIOR

Apedrejamento de viúva instiga debate entre lideranças

Bruna Gonçalves
Diário do Grande ABC

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A história da iraniana Sakineh Mohammadi-Ashtiani condenada à morte por apedrejamento em seu país por adultério gerou discussão no mundo e divide opiniões.

Sakineh foi condenada à morte em 2006 por ter mantido "relação ilegal" com dois homens, após o assassinato de seu marido.

Para o presidente do Conselho de Ética da União Nacional da Entidades Islâmicas do Brasil o sheik Jihad, de São Bernardo, é preciso respeitar as leis de cada país. "Temos de analisar o caso para ver se a lei foi infringida. Se a mulher cometeu adultério e for comprovado por quatro testemunhas oculares, deverá cumprir a lei que determina apedrejamento. Em casos de homens, a determinação é a mesma".

Ele cita que todos conhecem as leis de seu país. "A pessoa que rouba no Brasil sabe que pode ser presa. Ou seja, ela comete uma ação sabendo das consequências. É assim em todos os países", afirmou.

Enquanto isso, advogados discordam da atitude. "Em pleno século 21, é inadmissível que uma pessoa que tenha cometido adultério seja apedrejada. Não tem como aceitar que um ser humano seja castigado por essa conduta. Mesmo sob manto da religião", disse o coordenador da Comissão de Direitos Humanos da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de São Paulo Martim de Almeida Sampaio.

O CNDM (Conselho Nacional dos Direitos da Mulher) encaminhou uma carta ao embaixador do Irã, no Brasil, referindo-se à inviolabilidades do direito à vida e à proibição da pena de morte.

Para o professor de ciência política e direito de Estado da Faculdade de Direito de São Bernardo Jonathan Hernandes Marcontonio a pressão da mídia tem um papel diferenciado.

"A mulher é muito frágil e oprimida nos países do oriente. É um caso que terá muita discussão e terá intervenções. No caso, o Brasil ofereceu, em julho, asilo político. Sua postura foi de maneira emblemática como defensor das matrizes dos direitos humanos e da política da boa vizinhança."

Jonathan cita um caso em que a mídia contribuiu para o desfecho. "A nigeriana Amina Lawal, que em 2002 foi condenada - havia se casado e engravidado após o desaparecimento do marido - por lapidação (é enterrada até o pescoço e pessoas ficam apedrejando até a morte) foi absolvida após pressão de órgãos internacionais."

Advogado - Para os especialistas, a fuga do advogado da iraniana Mohammad Mostafei do Irã para pedir asilo político em outro país reforça o caráter autoritário do país. "Ele exercia o legítimo direito de defesa. Já defendeu 40 pessoas, a maioria mulheres, e conseguiu tirar 14 do corredor da morte", disse Sampaio.

terça-feira, 10 de agosto de 2010

Privatizando a democracia

Caros leitores e leitoras,

Publicada hoje na Folha de S.Paulo a notícia dando conta de que a Prefeitura de S.Paulo pretende contratar auditoria externa para fiscalizar as contas das Organizações Sociais de Saúde ( forma eufemística de nomear a privatização da saúde pública ). O fato expõe, mais uma vez, a forma de pensamento e ação da direita conservadora que tenta se travestir como transparente. A forma democrática de gestão pressupõe, entre outros atributos, o respeito à Carta Magna e às leis federais, bem como os princípios e ordenamentos das instituições do poider público. A constituição brasileira estabelece a participação da comunidade na gestão da saúde pública; a lei 8142 estabelece os conselhos de saúde em cada esfera de governo, e a resolução 333 do conselho nacional de saúde pormenoriza e regulamenta a ação desses conselhos, dando-lhes poderes para ordenar a contratação de auditoria independente, quando assim entenderem necessário. O ministério da saúde possui, em sua estrutura, o DENASUS, e as secretarias de saúde estaduais e municipais (grandes municípios) são obrigadas a ter auditoria própria. Mas a demotucanocracia massacrou o conselho municipal de saúde de S.Paulo, sob o silêncio da sociedade conservadora paulistana, sob o silêncio das instituições e da imprensa. Agora, a demotucanocracia quer rasgar de vez a democracia na gestão de saúde, privatizando de vez o sagrado direito do controle social sobre a saúde.
Sobre a matéria em si, há uma imprecisão. Ao contráio do que se pensa e do que se divulga, as OSS não estão livres do processo licitatório para aquisição de bens e serviços que serão prestados ao público, embora possam conduzir a administração com mais "agilidade" por que conduzem o processo em âmbito privativo. Por outro lado, a contratação de médicos, enfermeiros, dentistas, e outros prestadores diretos e contínuos de serviço fora da administração direta e sem o devido concurso público (art. 37 CF) vem sendo considerado ilegal e inconstitucional pelos tribunais, o que á mais do que lógico desde que feita a mais mediana leitura da lei.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

FHC, IMPOSTOS E LINGUÍSTICA

Caros leitores e leitoras,

A afirmação de FHC publicada no CLIQUEABC de 05 de agosto corrente, onde diz que "todo imposto é ruim, senão não se chamaria imposto", é, seguramente, das mais infelizes. De fato, na nossa língua e cultura, com forte herança inquisitorial, patrimonialista, coronelista, paternalista - as que o ex-presidente parece ainda estar ligado - aquilo que é a mais pura e verdadeira substância da vida em sociedade democrática tem mesmo este nome feio. Mas justamente pela herança cultural e política arcaica. Nesta visão, essa substância fundamental pode ser mantida e cultivada como moeda de discurso populista e desqualificado. Na cultura americana, por exemplo, o nome (em inglês) é tax (ou simplesmente taxa), Particularmente, não acho imposto ruim, embora concorde que a estrutura tributária do Brasil tem muito a evoluir na sua forma. Sempre insisto na tese de que o nosso país tem muito a crescer em suas estruturas de estado - educação, sáude, justiça, segurança, etc. - e isto só se faz com a arrecadação de um lado e as estratégias de governo de outro. Assim, aquilo que em nossa cultura é tratado como imposição, na cultura democrática civilizatória representa tão somente uma condição, cujo nome e discriminação deve ter a finalidade de informar o cidadão de sua própria condição, conscientizando-o permanentemente do seu papel como agente social, papel este aparentemente rejeitado pelo ilustre professor doutor.

NELSON NISENBAUM