domingo, 24 de outubro de 2010

A qualquer preço, sem saber o preço.

Caros amigos, amigas, leitores e leitoras,

Você votaria em um fraticida?

Penso que esta é a pergunta que deve ser feita aos eleitores de José Serra, que minimamente estejam informados sobre o contexto político dos últimos meses. É indiscutível que uma candidatura de Aécio Neves teria uma chance imensamente maior de êxito. Isto por que ele é bem avaliado no seu estado, tem rejeição baixa, é jovem, e não veio "do nada". Não que eu torcesse por ele, longe disso. Isto aqui é apenas um exercício de análise psicológica e estratégica. Muito bem, partindo do princípio que Aécio era o melhor candidato do PSDB, temos agora que mergulhar nas profundezas insondáveis que levaram o partido a optar por Serra. É aí que jaz o problema. Que tipo de força política, ou conjunto de forças seria capaz de insistir em uma idéia que levasse o partido à ruína? Que tipo de pensamento, linha de ação, caráter, poderia ter uma pessoa para impor-se ante a um projeto partidário um dia vencedor, que quer recuperar sua posição na história do país?

Esta reflexão deve ser feita por todos os eleitores, não apenas o de Serra. O processo de formação de uma candidatura revela muito sobre os bastidores e sobre os movimentos dos blocos de poder. Neste caso, o PSDB foi conduzido por forças que apóiam um candidato egocêntrico, quase um autista político, que parece hipnotizar algumas de suas bases e por outro lado exercer domínio na base da força bruta sobre outras. Não há outra explicação para isto que fica no limbo entre o suicídio e o fraticídio. E são estas forças e blocos que construiriam um eventual governo Serra/PSDB. Serra vem de uma derrota em 2002; o PSDB de uma derrota em 2006; nos dois processos ressalta-se uma verdadeira abulia do partido em defender o governo FHC ou qualquer conjunto de idéias minimamente capaz de ser chamado de ideologia. Aécio seria a tentativa de renovação. Mas o partido quis mais do mesmo, mostrando um conservadorismo mais que teimoso, e a disposição de pagar qualquer preço para vencer e sem contabilizar o preço da derrota.

Não é este o candidato e não é este o partido que quero governando o Brasil. Aliás, esta história me enche de medo.

NELSON NISENBAUM
S.Bernardo do Campo, 24 de outubro de 2010.

Este, entre outros artigos, estão publicados no meu blog em http://nelsongn.blogspot.com

terça-feira, 19 de outubro de 2010

A HORA DA ESCOLHA

PUBLICAÇÃO DO LE MONDE DIPLOMATIQUE


A HORA DA ESCOLHA

A campanha eleitoral do PSDB e das elites conservadoras neste ano traz características surpreendentes, porque consideradas superadas há muito tempo. É um renascer conservador que usa de todos os métodos, manipula, distorce, falseia, na tentativa de seduzir o eleitor sem dizer a que veio sem apresentar sequer um programa de governo.

Temas como a crença em Deus, o aborto, a liberdade de imprensa, a corrupção, dominam a agenda eleitoral e, em si, já demonstram que não é o futuro do Brasil que os preocupa, mas desclassificar e derrotar seus adversários por quaisquer meios. E é tal a manipulação que, neste momento eleitoral, apresentam estes temas como se fossem da alçada de decisões da Presidência da República, o que não é verdade.

A separação entre a Igreja e o Estado é um dos princípios que funda o Estado moderno, que também é assegurada na Constituição de 1988 e em todos os países ocidentais. Crer ou não em Deus, ter ou não uma religião, são temas da vida privada, de foro pessoal, e assim devem continuar para garantir o respeito à diversidade e pluralidade culturais, fundamentos da democracia e da paz, ou voltaremos aos tempos das inquisições e da fogueira para sacrificar os hereges.

A descriminalização do aborto não é uma ?política para matar criancinhas?, como declara solertemente a oposição. É uma questão de saúde pública que se propõe para evitar a morte de milhares de mulheres, condenadas a enormes riscos ao realizarem seus abortos de forma precária e clandestina, sem qualquer apoio do poder público. E é importante frisar que também aqui, neste caso, a decisão por adotar estas políticas não é da Presidência da República, mas sim do Congresso Nacional.

A questão da corrupção, ela sempre esteve presente na política brasileira, na democracia das elites, que se servem deste expediente na defesa de interesses privados, afrontando a dimensão pública e o interesse coletivo. Se é verdade que os expedientes do ?dá lá, toma cá?, estão presentes também no atual governo, o que é lamentável e demanda uma reforma política para instituir controles democráticos efetivos sobre Executivo, Legislativo e Judiciário, não dá para o PSDB posar de vestal, basta lembrar as denúncias da compra de votos que permitiram a FHC modificar a Constituição e ter seu segundo mandato.

Esta agenda eleitoral, fundamentalista e despolitizada, que não trata das questões que importam para o futuro do país, só ganhou importância pelo destaque que a mídia lhe deu ? TVs e jornais ? que atuaram de maneira articulada, impondo sua versão dos fatos e tentando transformá-la em realidade. Nunca é demais lembrar que uma das questões centrais da democratização de nosso país é retirar do controle de apenas 9 famílias estes meios de comunicação. A tão propalada ameaça à liberdade de imprensa nada mais é que a defesa deste oligopólio, que por sua vez representa o conservadorismo, agora mais radical neste fim de campanha eleitoral.

Assistimos a um deslocamento ideológico onde o PSDB passa a ocupar o lugar do DEM, e o PT o lugar do PSDB. Esta situação abriu um espaço à esquerda no espectro político. Se Marina tivesse se aliado aos pequenos partidos à esquerda, que nasceram como dissidências do PT, poderíamos ter tido uma opção eleitoral à esquerda, mas este não foi o caso, como se pode ver com o alinhamento informal do PV à candidatura do PSDB. Marina paga agora o preço de sua ingenuidade.

A expressiva votação de Tiririca para deputado federal combina com a despolitização desta campanha e com um sentimento de rejeição pela política e pelos políticos de importantes setores da população, que desconfiam da falsidade das campanhas eleitorais e desta manipulação midiática. Afinal, como as candidaturas à presidência prometem mais creches, escolas, saúde, se estes equipamentos e serviços são responsabilidade dos governos municipais? Por que não falam de cambio, política externa, integração regional, projeto de desenvolvimento?

A verdade é que as candidaturas se dobraram à lógica das pesquisas eleitorais e das estratégias de marketing. Falam o que o eleitor quer ouvir. Prometem como sempre prometeram, a cada eleição. O importante nas condições atuais é construir critérios para avaliar as opções. E um deles pode ser o de comparar os governos que estes dois partidos realizaram e avaliar não só o quanto cumprem de suas promessas, mas o que fizeram pelo povo brasileiro.

Embora eles não estejam enunciados com clareza, existem dois projetos para o Brasil em disputa. O do PT é a continuidade de um processo de crescer favorecendo as grandes empresas nacionais e redistribuindo alguma (pouca) riqueza, permitindo a inclusão dos mais pobres. É a isso que se chama social democracia, uma antiga bandeira do PSDB. Já o projeto do PSDB é radical no sentido de favorecer o livre mercado, como se estivéssemos nos anos 90... E o livre mercado não tem nenhum projeto de desenvolvimento autônomo para o Brasil e nem se preocupa com o interesse público. Não é preciso dizer que esta opção só favorece as elites tradicionais, que se transformam em sócias menores do capital internacional, quando o fazem. Nesse caso, nossas riquezas irão beneficiar outros senhores e a desigualdade aumentará.

Mas, mesmo com estas condições que deixam tanto a desejar, temos que fazer uma escolha. Para muitos não será uma escolha pela sua identidade pessoal com um projeto político. Terá de ser uma avaliação em função das opções concretas. Falo especialmente para os que votaram em Marina no primeiro turno, para os que anularam o voto, para os que se abstiveram.

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Silvio Caccia Bava
Diretor e Editor Chefe

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O IMPERDOÁVEL ATAQUE À DEMOCRACIA

Originalmente publicado no Terra Magazine em 18/10/2010

Conseguiram. Transformaram campanha eleitoral em guerra religiosa. Em plena cerimônia religiosa celebrante é desacatado. Políticos se enfurecem. Panfletos são distribuídos.

Há tantos temas a serem abordados e, no entanto, assuntos de foro íntimo passaram a ser tratados como mensagens coletivas. As religiões informam a vida das pessoas.

Estas, a seu turno, por seu comportamento na sociedade, apontam para a excelência desta ou daquela confissão. Tratar as múltiplas crenças como inimigas entre si é criar conflitos indesejáveis.

Os brasileiros sempre buscaram a paz entre os vários credos. É traço histórico que vem desde nossa primeira Constituição, a de 1824. Agora, marqueteiros desavisados ferem nossos valores políticos.

É imperdoável o que vem ocorrendo. Viola os mais profundos sentimentos nacionais amalgamados durante séculos. Todos os participantes do pleito eleitoral, neste segundo turno, deveriam tomar uma única postura.

Declarar, em conjunto, que respeitam todas as crenças e posições doutrinárias. Apontar que qualquer mensagem contra o respeito ao outro é deletéria e contra a nação.

Há temas que devem ficar a salvo das emoções do cotidiano e, particularmente, dos debates eleitorais. Esses necessitam de ambiente de mútua compreensão do pensamento do outro.

Falar de aborto com paixão verbal sem limites é violência contra todas as mulheres e pessoas razoavelmente conscientes. Fere a intimidade mais profunda das pessoas.

O aborto é uma violência. Ninguém em sã consciência é partidário de sua prática. A vida, no entanto, sujeita as pessoas às mais estranhas circunstâncias e estas necessitam ser entendidas com razoabilidade. O presente debate saiu dos limites do razoável. Atingiu um fundamentalismo ingênuo, mas perverso. Todos os fundamentalismos são execráveis. Retiram a capacidade de pensar das pessoas.

Os liberais - os verdadeiros liberais - sabem que em todas as latitudes, onde foram excluídos os princípios iluministas, há uma violência física ou moral contra o livre pensamento.

A atual campanha eleitoral - lamentavelmente - atingiu espaços fundamentalistas, como nunca ocorrera nos comícios eleitorais após a democratização.

Os mecanismos democráticos não podem servir de caminho indesejável para dividir cidadãos. Ao contrário, a democracia, ensinando o respeito ao outro, exige compostura no seu exercício.

Os eleitores, certamente, saberão examinar todos os contornos destes últimos meses e, na hora de seu voto, afastará as más mensagens e as deformações das exposições de ambos os candidatos.

O voto deve ser conferido a programas partidários e exposições temáticas dos respectivos candidatos. As mensagens extravagantes podem ser ouvidas, mas não levadas em consideração.

Elas pertencem a outro campo, àquele do foro intimo de cada cidadão e este não deve ser violado pelos interesseiros de ocasião. A humanidade já sofre - e muito - por situações como a atual.

Voltar ao passado distante é esquecer as grandes lições - sobre a tolerância religiosa - expostas em tempos remotos por personalidades qualificadas do Ocidente.

Envergonha a cultura brasileira quem age sem freios em campanhas eleitorais. Mostra desconhecer os princípios da democracia e, assim, não pode ser respeitado no certame eleitoral.

Faltam poucos dias para o segundo turno eleitoral. Espera-se um reequilíbrio salutar nos termos da presente campanha. É anseio da cidadania.
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*Cláudio Lembo é advogado e professor universitário. Foi vice-governador do Estado de São Paulo de 2003 a março de 2006, quando assumiu como governador até a posse de José Serra.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A VERDADEIRA TERCEIRA VIA

ARTIGO DE SERGIO STORCH

Segundo turno e a terceira opção

domingo, 10 outubro 2010, 17:28 | Category : Inteligência Coletiva, Inteligência societal, Política
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“Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas motivadas e comprometidas possa mudar o mundo. Na verdade é a única coisa que o faz.” Margaret Mead

Minhas reflexões neste “Vou Vivendo” têm tido um eixo: a transversalização de momentos de vida com os temas da aprendizagem e inteligência coletivas.

Chega o momento de trazer à tona a dimensão política que às vezes deixo transpirar no Twitter e no Facebook, mas que raramente trago aqui.


Segundo turno: Dilma ou Serra?

Como você, eu olho o hoje e busco o amanhã, com o olhar da minha história. Um breve momento me vem à memória: na participação política que tive mais intensamente nos primeiros anos da redemocratização, tive grande orgulho em ser figurante no episódio que vou contar. Ulysses (PMDB), meu candidato, tinha sido derrotado no 1º turno das eleições de 89 (assim como Covas do PSDB). No 2º turno (Collor x Lula), ninguém das minhas tribos tinha dúvidas. Embora Ulysses tivesse sido recusado no palanque de Lula (claro, simbolizava para os negacionistas a tal da “farinha do mesmo saco”), mesmo assim um pequeno grupo de PMDBistas articulou no gabinete do então deputado estadual Arnaldo Jardim o Comitê de PMDBistas pró-Lula. Tive a honra de estar na formação desse grupo, e guardo com carinho o livrinho caixa em que registrávamos as contribuições: nomes de muitos amigos queridos (com seus NCr$ 300 a 1000), hoje espalhados em vários partidos ou que, como eu, resolveram exercer sua cidadania fora da política partidária. DISSEMOS NÃO AO NÃO, E APOIAMOS LULA.

Foi nessa campanha que conheci também Ricardo Young, dono do Yázigi, e que um ano depois viria a ser um dos fundadores do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais. Agora tive a alegria de votar no Ricardo para senador, além do Aloysio (PSDB) e de Paulo Teixeira (PT) e Carlos Neder (PT). E, claro, Marina e Guilherme Leal (este também do PNBE de 1990).

História tem fluxos: do PNBE brotaram, nestes 20 anos, lideranças que fundaram entidades e movimentos, inclusive o Instituto Ethos, atualmente presidido pelo Ricardo, mas também, entre outras, a Fundabrinq pelos Direitos da Criança, a Transparência Brasil, o Akatu pelo Consumo Consciente, o Forum Social Mundial, a Rede Nossa São Paulo e a Rede Brasileira de Cidades Sustentáveis.

Ou seja, tive a bênção de ver nascer há 20 anos um futuro de sociedade na qual a política se dignifica e se recupera da corrosão de legitimidade promovida por um sistema político doente e por lideranças sem grandeza. Tenho certeza de que foi esta coalizão de empresários e militantes de movimentos sociais que trouxe 20% dos votos a Marina Silva no primeiro turno (não foi o PV, partido que segue a lógica tradicional dos partidos políticos do século 20, e que agora se apressa em aderir a Serra).


Negacionismo

Hoje amigos me dizem: nossa, o Serra é centralizador, autoritário, trata os professores na porrada, vai querer privatizar tudo, já imaginou? Olha só a privatização desordenada da educação superior no governo FHC, com a desregulação na criação de novas universidades… É a volta do neoliberalismo… E essa turma do DEM que vem com ele? Olha o retrocesso de Serra/Kassab na Prefeitura de São Paulo com as tentativas de desmonte do Plano Diretor que a Marta fez…

E eu digo: é, é mesmo. Mas este NÃO me chega de forma desconfortável.

Outros amigos dizem: nossa, Dilma é o lulismo, nem é mais o PT, e com essa maioria no Congresso será uma mexicanização, teremos um PRI que fará o que quiser… E o país vai agüentar essa carga tributária? Vai agüentar uma dívida pública maior ainda? E a cooptação que o Lula já fez de todas as Centrais Sindicais? Aí alguns evocam até o cenário de uma inflexão para baixo da curva econômica (um dia acontece…), a busca de bodes expiatórios, e um neoperonismo apontando os “inimigos do povo”, os que “torcem contra o país… Se aconteceu numa Argentina até então civilizada, por que não poderá acontecer no Brasil?”

E eu digo: é, é mesmo. Mas este NÃO à Dilma também me incomoda.

Apesar de que, sabe-se lá, pessoas mudam, chegam outras pessoas… Aí vem até a minha paranóia judaica de quem conhece bem a história de um cara eleito democraticamente em 1933, em maioria simples, por um eleitorado que tinha esquecido de “Mein Kampf” para depois ter que lembrar. Hitler, Mussolini, Perón, Getúlio, Nasser, Chavez, Ahmadinejad…

Mas faz parte de minha história pessoal também uma imersão na questão da paz no Oriente Médio, que foi onde incorporei o termo “negacionismo” ao meu vernáculo. No conflito do Oriente Médio, o negacionismo é a classe de atitudes que acometem o Hamas, o Hizbollah, a Al Qaeda, que não aceitam o outro. Que recusam o diálogo, a empatia, a escuta. Acomete também ministros de Israel e colonos da ultra-direita israelense, que não reconhecem a legitimidade dos interesses e a humanidade dos palestinos. NÃOS que são úteis somente para a geopolítica do Irã e da China, ao aumentarem seus espaços de influência. Mas que têm resultados trágicos nos bombardeios de Gaza e nas famílias israelenses e palestinas privadas de seus filhos mortos ou reféns.

Em Gestão do Conhecimento, usamos o conceito de Modelos Mentaistrazido por Peter Senge em “A Quinta Disciplina”. Então, o modelo mental acima caracteriza-se por privilegiar o “nós” versus “eles” (característica que tanto assemelhou FHC e Lula, e que está tão presente nesta campanha tão rebaixada no nível ide despolitização que nos faz pensar se não estamos, todos, regredindo.

E como pode ser que a essa altura do campeonato estejamos de novo “nós” contra “eles”, seja com Dilma ou com Serra? Vítimas indefesas deste modelo mental?


Lula, Dilma e Serra: o homem e sua circunstância

De que Dilma estamos falando? E de que Serra?

O jogo leva alguns a estereotipar o Serra como neoliberal. Mas Serra foi o cavaleiro do SUS que foi trazido à Constituinte pelos comunistas do PCB, que o trouxeram do PC Italiano, e que depois ajudaram a implantá-lo com Sérgio Arouca no Ministério da Saúde de Lula. Parênteses: como evidência de que as coisas não são tão simples, o Dr. Adib Jatene (homem íntegro do partido de Maluf) foi também importante cavaleiro deste SUS, muito mais democrático e justo do que aquele modelo que o Partido Republicano impede o Obama de implantar na grande democracia do Norte.

O Lula da Carta aos Brasileiros era o Lula da NEGAÇÃO da parceria para derrotar a ditadura no Colégio Eleitoral? Não. Era outro Lula. E o Lula da NEGAÇÃO do Plano Real? E o Lula do “nunca antes na história desse país” era o Lula da Carta aos Brasileiros? Também não. O Lula dos SIMs a Sarney, Collor, Maluf e Tiririca é o Lula de todos aqueles NÃOs?

Não, o Lula foi o produto que resultou a cada momento de um sistema político deformado e deformante (nem por isso deve merecer nossa complacência). Poderia ter sido um estadista, mas Gandhis e Mandelas não se fazem todos os dias. Definitivamente, o Lula que deu camisa da Seleção para o companheiro Ahmadinejad não foi o Lula da carta que fiz à minha filha de 2 anos, que apertou os botões da urna eletrônica em 2001 (para que leia quando for votar de verdade em 2015).

Mas é correto vermos o aparelhamento de Lula e Zé Dirceu como motivos para estereotipar Dilma como cavalo de Tróia de uma República Sindical? Não poderá ser uma outra Dilma? E faz sentido desqualificá-la como inexperiente? Faz sentido recorrer ao aborto na baixaria da campanha eleitoral, usando a estratégia dos marketeiros do Jânio com a maconha para derrotar FHC em 85?

O homem é o homem e sua circunstância. O que serão Dilma ou Serra depende menos de ser um ou outro do que do jogo que estiverem jogando.

Então, acho que a questão é a seguinte: Dilma e Serra dos próximos anos são ambos grandes riscos que os bastidores das campanhas não revelam. Ambos são roleta russa. E temos que fazer hedge.


Sim, estamos cativos do “Dilema do Prisioneiro”

Quando vejo Aloysio Nunes e Roberto Freire simplificando sua mensagem unilateral (e são ambos da tribo dos SIMs que eu vi fazendo a transição para a democracia), e quando vejo Leonardo Boff (meu guru cristão, par do meu rabino Heschel e da minha monja budista Coen) e amigos muito próximos estereotiparem a candidatura Serra, fico a pensar: este modelo mental não é parecido com aquele produzido pelo Dilema do Prisioneiro?

Explico: Dilema do Prisioneiro é uma situação analisada na Teoria dos Jogos, muito utilizada na Ciência Política, nas teorias sobre negociação e em estratégia competitiva, para ilustrar como pessoas lidam com a incerteza quando não podem se comunicar com os seus pares.

Temos que aceitar este jogo? Ou podemos mudar o jogo?

Afinal, em outro contexto, nos anos 70 em que eu lia o Serra em livro clandestino publicado em espanhol no Chile sobre o milagro brasileño, ou lia seu livro com a Maria da Conceição Tavares (PT), guru de todos nós, ele votaria na Dilma. E naqueles dias a Dilma votaria no Serra.

Mas muita água rolou, e ambos tiveram sua cota de responsabilidade nessa distribuição torta de renda em que os mais pobres receberam o Bolsa Família e os mais ricos ganharam a Bolsa Banqueiro, várias vezes maior, através da taxa de juros mais alta do mundo. Quem perdeu? Na pizza da renda, a classe média, mas o mais grave é o não-investimento nos serviços públicos essenciais que são a forma mais eficaz de distribuição de renda: educação e saúde públicas de qualidade, transporte público, segurança pública etc. Ou seja, numa visão sistêmica, a distribuição de renda do Bolsa Família é uma farsa e uma miragem de curto prazo, pois continuamos depredando o capital humano que é o principal componente do patrimônio da nação (a partir deste ano as empresas de capital aberto precisam apresentar no seu balanço o seu capital intelectual. E as contas públicas?).

“Moça, abre a janela…” Vivemos num mundo cheio de oportunidades, como diz o cartaz do HSBC nos aeroportos…


Uma terceira opção: a inteligência

SIM. Há possibilidade de mudar o jogo com uma terceira opção, que supere a dicotomia cartesiana e excludente Dilma x Serra.Uma terceira opção, inclusiva, que vale tanto para o caso da vitória de um quanto para a vitória da outra (ver sobre a Lógica do Terceiro Incluído em “A transdisciplinaridade e a modernidade!).

Não me conformo em aceitar um jogo que impõe esta escolha na base do “ou esse ou aquela”, especialmente na base do medo. “A ideologia da direita é o medo”, já nos ensinava Simone de Beauvoir (crédito a Rodrigo Vianna, em “O círculo da direita se fecha: teocracia, censura nas redações, ideologia do medo”, na Carta Maior, sobre a demissão de Maria Rita Kehl na “liberal” Folha ).

Mais que isso. Tenho convicção de que, na era do conhecimento, o Brasil não pode se dar ao luxo de imolar lideranças, o recurso intelectual mais escasso, no altar de um sistema político arcaico. Precisamos de Dilma e de Serra.

Nosso processo eleitoral é BURRO. Podemos mudar o jogo, mesmo antes de uma reforma política que mude as eleições, assim como podemos tornar INTELIGENTES todos os processos, nas empresas, nas cadeias produtivas, nas instituições, na sociedade, no planeta. É o desafio do século 21.

O segundo turno coloca um desafio para quem votou para que houvesse segundo turno… Como construir um hedge (*) para ambos os riscos?

Podemos ter apenas Dilma ou apenas Serra no governo, sim, mas podemos ter outra Dilma e outro Serra, se o contexto no qual um ou outro irá governar for outro. O hedge está na mudança desse contexto.

Creio que a chave para isso está na recusa em aceitar, de ambas as partes, a imposição do jogo do plebiscito, da escolha de “nós” contra “eles”. Denunciar as estratégias de comunicação que confundem o eleitor com essa polarização hipócrita.

Trata-se de colocar para ambos uma agenda positiva de compromissos com mudanças fundamentais. E, quem sabe, em vez de jogar no par ou ímpar, votar naquele que primeiro aderir… Quais seriam esses compromissos? Muitos saberão explicitá-los de forma melhor e mais completa do que eu seria capaz de fazer.: que reforma política, que regulação dos poderes (inclusive da mídia), que taxa de investimento sobre o PIB, que modelo de políticas fiscal e monetária, que critérios de sustentabilidade etc. Limito-me aqui a instigar as lideranças, especialmente aquelas em que votei, nos diversos partidos.

Temos a janela de oportunidade no segundo turno, em que o capital político gerado pelos 20% da Marina fazem da sua neutralidade um ativo precioso para o país, na medida em que um indivíduo (o papel do homem na História) poderá ser ponto de convergência de aspirações de um futuro de sustentabilidade econômica, social, ambiental e política que influenciará aqueles que serão o fiel da balança no dia D da votação.

E tenho certeza de que um movimento neste sentido não termina no dia da votação. É o tiro de partida para uma sociedade que exerça sua inteligência coletiva na promoção de uma reforma política que aprofunde e consolide o jogo democrático com novas instituições à altura das possibilidades do século 21.


Você também pensa assim?

Então aja. Dizem os cientistas das redes sociais que cada um de nós tem 6 graus de distância de qualquer outra pessoa no país. Lembre quais são as SUAS 10 conexões em posições para empurrar essa mudança de jogo. Foi assim que saiu o Ficha Limpa. Em rede. Vamos, temos 20 dias! As redes sociais atingem no mínimo 90% dos municípios do pais, e no mínimo 95% dos eleitores, nem que seja através da padaria mais próxima. Vote num ou noutro, mas também na 3a opção!

Em 2002 foi a Carta aos Brasileiros.

8 anos depois, no mundo 2.0, façamos a Carta DOS Brasileiros!

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(*) Hedge. Técnica usada em Finanças para neutralizar riscos. Se você assumiu dívida em euros, reduza o risco de perder na queda do euro. Basta trocar ativos em outras moedas por ativos em euros. Vendeu opções de compra de ações da Petrobras? Faça o hedge comprando opções que as equilibrem. Sempre há quem tem o risco inverso, e queira vender).

terça-feira, 5 de outubro de 2010

O aborto da democracia

Caros amigos, amigas, leitoras e leitores,

A "abortização"da discussão política, como está sendo feita por alguns setores religiosos que preocuparam-se em demonizar a candidata Dilma (que em uma entrevista à Folha pos o assunto do aborto em pauta), é não mais do que uma execrável e monstruosa condução. A democracia comporta e promove a liberdade de crença, culto, organização social, e assim por diante. A não crença também é abraçada pela democracia, bem como o cientificismo. A questão do aborto está diretamente ligada à definição de vida e ser, ou mais precisamente, onde é a fronteira do que é "ser" humano na longa linha entre um espermatozóide em busca de um óvulo e um feto formado, e em que ponto desta trajetória a vida é alcançável pelas decisões morais, legais, éticas e religiosas. A ciência não tem esta definição, que esses religiosos enxergam com a absoluta clareza, e que nem a Bíblia fornece. Assim, estes senhores e senhoras usam o ferramental e o conhecimento científico que só pode ser criado com o fim da inquisição, para escrever o que a Bíblia Sagrada não contemplou e o que a ciência também não contemplou. Assim, pretendem legislar e jurisdicionar com eficácia sobre os que democraticamente renunciam a qualquer tipo de confissão religiosa. Em poucas palavras, esses demoniocratas (são os que demonizam tudo o que não concorda com eles) usam da democracia para destruí-la. Esta é a questão de fundo que permeia toda essa celeuma à qual os eleitores que apreciam a democracia devem estar atentos. Trazer a questão teológica e teocrática para o processo eleitoral revela, escancaradamente, os verdadeiros inimigos da democracia, este bem tão fundamental para o ser humano. No momento, admite-se e pratica-se no nosso país a legalidade do aborto em certas condições, como gravidez resultante de estupro, malformações fetais incompatíveis com a vida (anencefalia, por exemplo) e risco de vida à mãe. Particularmente, considero outras violências como causa de gravidez indesejada, comparáveis ao estupro, e acho que o tema deve voltar ao debate laico. Ninguém está proibido em nosso país de criar e educar seus filhos em sistemas religiosos. Mas não podemos admitir que setores religiosos se apropriem da vida dos que estão do lado de fora dos templos, sob nenhum pretexto.

NELSON NISENBAUM