sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

A PATOLOGIA DO PODER

Prezados(as),

A entrevista do Ministro Luiz Fux, juiz do STF, publicada neste último domingo, é reveladora de muito mais do que um simples relato biográfico ou de uma carreira. Trata-se de um verdadeiro libelo, uma verdadeira ode à psicopatologia do poder. Mais do que revelar os costumes mais do que conhecidos de nossa combalida república, é reveladora de um conjunto de traç

os de caráter que devem, no mínimo, colocar sob forte suspeição a capacidade deste senhor de ocupar o cargo mais alto do judiciário brasileiro.

Como se compreende claramente pelo conteúdo e tom da entrevista, o ministro revela candidamente a sua obstinação por ocupar tal posto, que o levou a perseguir por anos a fio as personalidades (João Pedro Stédile, Antonio Pallocci, Delfim Neto, Paulo Maluf) supostamente autorizadas para tal indicação, nas quais se inclui o ex-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Independentemente de qualquer juízo que se possa fazer sobre José Dirceu, quando da busca de Luiz Fux por ele, já era notório e mais do que pública e publicada a sua condição de réu na AP 470, vulga "mensalão", o que o entrevistado alega ter desconhecido à época de seu(s) encontro(s). O que em si mesmo, seria imperdoável a um postulante ao cargo que necessariamente enfrentaria em breve em sua condição de juiz supremo. Não se pode levar a sério esta assertiva, sob o risco de nos lançarmos a um oceano de ingenuidade. Alternativamente, é lícito e de bom alvitre supor, em um plúmeo (e não plúmbeo) exercício de intelecto, que o postulante pode, eventualmente, ter transmitido ao então réu uma mensagem tranquilizadora sobre a pesada causa, descrita na entrevista como "matar no peito", quando posteriormente soube da ação, ainda na condição de pedinte. Confessa-se posteriormente "assombrado" com as provas contidas nos autos, que anteriormente "julgava" inexistentes ou inconsistentes.

Ampliando um pouco a visão do caso, podemos sem muito esforço vislumbrar que a quantidade de juízes, juristas, promotores e outros oficiais da lei com capacidade para tal cargo não deve ser tão pequena. Algumas dezenas de mulheres e homens devem, com certeza, já terem prestado grandes serviços jurídicos à nação, independentemente de seus currículos formais ou publicações. Suas respectivas colocações dentro do organograma do poder judiciário e do ministério público certamente não permite que sejam ignorados e rejeitados a priori. Reversamente, é lícito e também de bom alvitre supor, que a "pressão" exercida por Luiz Fux para obter sua indicação e aprovação pode ter sido significativamente maior sob o ponto de vista quantitativo e ainda mais rasteiro, sob o ponto de vista ético, do que permite transparecer a onírica entrevista.

Este é um pequeno apanhado sobre os possíveis significados de todos estes fatos, em muito agravados pelo absoluto silêncio dos grandes comentaristas das grandes mídias, que certamente fuzilariam em horas a reputação de Luiz Fux caso tivesse ele contrariado a fúria condenatória do procurador geral da república e do relator Joaquim Barbosa.

A entrevista é uma expressiva revelação da vulnerabilidade de nossas instituições aos interesses de uma pessoa só, e da tranquilidade que o entrevistado revela diante de fatos que representam a mais refinada forma de corrupção nas entranhas do poder institucional de nossa república.
Some-se a isto, o fato de que o perfil das personalidades escolhidas para interlocução, ou seja, de alinhamento ideológico com o governo petista, que futuramente seria grosseiramente traído, sem qualquer juízo de valor sobre os aspectos jurídicos do caso AP 470. Friamente, os fatos só nos conduzem ao raciocínio de que tendo conquistado o que tanto almejou, a criatura cumpre o destino de liquidar seus criadores.
Particularmente, vejo por trás desta conduta a mais pura expressão de uma personalidade patológica, amoral e fria, de uma pessoa que expõe suas entranhas sem o menor constrangimento, além de exibir um riso quase sardônico a nós, perplexos.

Entendo que a sociedade organizada deve se manifestar veementemente no sentido de exigir a renúncia deste senhor ao seu tão pleiteado cargo, pois seria omisso, de nossa parte como cidadãos, anuir com a presença de tal personalidade ditando os rumos jurídicos da nação.
 
NELSON NISENBAUM

quinta-feira, 31 de maio de 2012

MENSALÃO: A SENDA DA FRUSTRAÇÃO.

Não há final feliz possível no tão esperado julgamento do assim chamado "mensalão". E me arrisco a dizer e prever que independentemente do resultado jurisdicional, as consequências deste julgamento serão traumáticas para o país.

Em primeiro lugar, o assim chamado "mensalão" não pertence a uma categoria jurídica, e sim a uma categoria mitológica. Em outras palavras, a parcela da população que deseja ver a carne exposta não será saciada, pois há muito pouca carne a se ver. Em absoluto não haverá prova possível de ser produzida de que políticos receberam verbas "mensalmente" para votar a favor do governo à época dos fatos. Isto só seria possível se houvesse um contrato assinado (sim, isto já ocorreu, por incrível que possa parecer, há algum tempo atrás em uma cidade do grande ABC paulista) vinculando verbas ou favores a votos ou outras promessas. No máximo, o que veremos serão provas de que políticos portavam verbas para as quais não havia provisão formal, os tais "recursos não contabilizdos" de Delúbio Soares, tendo as mais diversas origens, principalmente das relações promíscuas entre empresas privadas e o setor público. Podem ser condenados por sonegação, peculato, prevaricação, improbidade, lavagem de dinheiro, posse ilegal, evasão de divisas, elisão fiscal, e por outros dispositivos legais, éticos, políticos, e assim por diante. Todos estes pressupostos não são capazes de configurar, juridicamente, uma prática sistemática e regular, bem definida, que é o que pretende a aposição mitológica vigente.

As tecnicidades de um julgamento como este porão por terra as teses simplistas evocadas por setores da imprensa e tão ecoadas por setores da sociedade que aparentemente desconhecem o dia-a-dia do brasileiro comum, o trabalhador, o camponês, o pequeno comerciante, os pobres, para quem as prioridades do país são bem outras. Mesmo às categorias ditas mais esclarecidas, o debate jurídico será percebido como estéril, pois a expectativa é de um debate moral, este que guarda uma distância razoável e frustrante do formalismo de nosso sistema jurídico.

Certamente haverá condenações, pelo menos para a maioria dos acusados. Mas não serão condenados pela prática do "mensalão", e sim por outros crimes, o que levará à percepção - ainda que não explícita - de que aquilo não existiu. Ou seja, será uma condenação que "absolverá". Sobre este território, será travada uma sangrenta guerra de mídia, onde as verdades do julgamento serão manipuladas livremente pelos diversos setores, sendo claro quais serão aqueles que sacrificarão a lógica e a inteligência para ressuscitar o mito dos escombros dos autos e juízos.

Das condenações poderão derivar processos ético-disciplinares nas instâncias partidárias e camerais, o que multiplicará o factóide como areia em um deserto, o que em outras palavras, significa muita fumaça e breve esquecimento. Sim, por que o país precisa andar, e sob o ponto de vista econônico-financeiro, os autos revelarão a irrelevância dos montantes envolvidos para o cenário econômico nacional, o que levará as pessoas que acompanharem de perto este processo a perceber que estão assistindo a uma tempestade em uma banheira doméstica.

A eventualidade de um julgamento mais "duro" por parte do STF traria o país a uma curta distância de uma grave crise institucional, e tenho a convicção de que aquela instância máxima tem em seu inconsciente coletivo esta clareza, e provavelmente não assumirá esse risco.

Sem a menor dúvida, este julgamento terá um forte componente político e partidário, e a percepção que isto causará na nação será bem desagradável e contrariará expectativas de setores de muita força de opinião.

Por fim, tenho o convencimento de que o eleitor médio tem a clara percepção da irrelevância dos eventuais crimes cometidos em face do grande cenário nacional e internacional, no qual o país cresceu e continua crescendo, ganhando respeitabilidade, no ganho de autoestima da população em geral durante o governo Lula. Concluirá com tranquilidade que todo este processo não passou de uma gigantesca "briga de comadres".

Como disse uma vez o poeta português, "tudo isso existe, tudo isso é triste, tudo isso é fado...". E o Brasil continuará vivo. Mas suas instituições sangrarão neste processo. E com toda a franqueza, penso que não há resultado possível deste julgamento que vá contribuir para qualquer avanço do país. Perto do que já vimos como grandes escândalos de corrupção, este é um caso de ladrões de galinhas. E na lógica atual do sistema político-partidário, é apenas a própria lógica.

sexta-feira, 2 de março de 2012

Morando e sua moral desmoralizante

É com grande alarde que se noticia a proximidade da sanção da "lei da ficha limpa" para o estado de S.Paulo, de autoria do deputado estadual Orlando Morando. Sem dúvida, o discurso moralista adotado por boa parte da grande mídia e ecoado por setores da sociedade organizada tenta dar o tom do debate político, em prejuízo de outras análises estratégicas ou até mesmo científicas que com mais propriedade e sem vícios de origem poderiam trazer ao cidadão comum um quadro mais nítido da realidade.

A referida lei estadual nasce com um vício de origem, ou seja, vem na esteira da recente "constitucionalização" da lei federal homóloga no STF, esta sim representativa do preenchimento de uma eventual lacuna formal dos princípios da carta maior, que não foi, pelas mentes dos supremos magistrados, suficientemente clara quanto a abrangência dos princípios da moralidade, impessoalidade, finalidade e eficiência que devem ser exercidos pelos detentores de funções públicas.

Na sua propositura, o ilustre deputado simplesmente estapeia todo o aparato jurídico-institucional existente no que tange à natureza e abrangência de um robusto conjunto de leis e princípios magnos já existentes, que regem a administração pública não de hoje, mas desde 1988. Tenta ele, subliminarmente, dizer à sociedade que tais princípios e leis como o estatuto do servidor público, a lei da improbidade administrativa, leis e códigos de conduta de servidores públicos nas três esferas de governo, entre outros, seriam insuficientes para balizar a conduta dos respectivos ocupantes desses cargos e funções, ou insuficientes em termos de possível enquadramento de mal feitos.

Ao avalizar o projeto, tanto a assembléia legislativa como o governador do estado estarão por sua vez estapeando a inteligência do cidadão comum, tentando mostrar à sociedade um serviço que em absoluto nada vale, e que tem poucas chances de produzir alguma consequência. Se todo o aparato existente não consegue dar conta da sempre alegada situação escabrosa da moralidade pública, já resta provado no nascedouro que um novo instrumento não tem chance de vingar. No âmago da questão, o projeto e sua aprovação são mesmo uma confissão de culpa e incompetência de um governo de quase duas décadas que confundiu moralização da administração pública com dilapidação do patrimônio público.

Na esteira do adágio popular que reza que nem tudo é o que parece, esta lamentável iniciativa que pretende ser vendida à sociedade como princípio moralizante, é na realidade uma obra pífia que só contribui para a desmoralização das instituições republicanas que levamos tanto tempo a conquistar. Mais contribuiria o ilustre deputado se fosse capaz de um verdadeiro debate ideológico, provocador e transformador para a sociedade. Mas infelizmente, parece ser capaz apenas de promover o enxugamento de gelo.