sábado, 11 de dezembro de 2010

TDAH É COISA SÉRIA E DEVE SER TRATADO.

Bruno Mendonça Coêlho: O TDHA existe e deve ser levado a sério

por Bruno Mendonça Coêlho

Sou psiquiatra, trabalho com crianças e adolescentes, e gostaria tecer alguns comentários acerca do artigo intitulado “A doença e o dinheiro. Ou seria a doença do dinheiro?” publicado, no dia 08 de dezembro, no site Vi o mundo.

Em primeiro lugar, gostaria de confirmar a referência do artigo citado como fonte. Numa busca no Pubmed – Biblioteca Nacional de Medicina dos EUA –, maior fonte de pesquisa de artigos científicos da área medica, não consta qualquer referencia ao Sr. Alfie Hohn ou a estudos seus sobre o Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH). Achei apenas um artigo desse autor no seu sitio na internet numa busca no Google. Isso acaba tornando a discussão bastante enviesada, tendo em vista que esse tipo de publicação é bastante contestável, pois reflete apenas a opinião do mesmo, não dispõe de metodologia apropriada e não é passa por criteriosa avaliação dos seus pares como ocorre com os artigos publicados em revistas científicas. Para se ter uma idéia da importância da revisão por pares (“peer review”), a CAPES utiliza como um dos indicadores da qualidade tanto dos programas de pós-graduação quanto dos orientadores de mestrado e/ou doutorado o números desses artigos que foi publicado pelas instituições ou pelos pesquisadores (sendo que a qualidade revista onde foi publicado – QUALIS A, B ou C – também é levada em conta). Artigos como o citado no texto (e mesmo formatos mais formais como capítulos de livros) sequer são levados em consideração por carecerem de credibilidade.

Com relação a sua sintomatologia, apesar de ter sido descrita pela primeira vez no século XVIII, por Alexander Crichton, (Palmer et al., 2001) os sintomas essenciais ao diagnóstico descritos já naquela época (Crichton, 1798) são basicamente idênticos aos que usamos para diagnosticar o transtorno atualmente (APA, 2000). Cabe aqui perguntar como uma doença inventada conseguiria sobreviver há tantos séculos de evolução científica?

No que concerne o seu tratamento, há algumas modalidades de tratamento desse transtorno (Pliszka et al., 2000a e 2000b), entretanto a medida mais eficaz, de fato, é o uso de estimulantes (MTA Cooperative Group, 1999; Snatosh et al., 2005) e, entres eles, o metilfenidato nas suas diferentes formulações (RitalinaÒ, Ritalina LAÒ, ConcertaÒ). O uso de terapias comportamentais, principalmente quando combinada a psicofarmacologia, é também recomendada (MTA Cooperative group, 1999). Portanto, o dito consenso em torno do tratamento não se formou a toa, mas embasado em dados sólidos da literatura. Com qualquer outra medicação, há possibilidade de efeitos colaterais, entretanto a intenção não é deixar as crianças como “zumbis” conforme menciona o texto. Se isso ocorre, trata-se de um efeito colateral e deve ser manejado como tal.

Outra “curiosa” colocação atribuída ao “artigo” do Sr. Alfie Khon é que “não existe, até hoje, depois de mais de 40 anos de pesquisas, nenhuma prova da existência biológica ou orgânica da doença. Desenvolvimento cerebral, danos no sistema nervoso ou algo do gênero”. De fato, a causa precisa do TDAH ainda não está estabelecida. Entretanto isso longe de refletir prova de inexistência da patologia, mostra o estágio atual do nosso conhecimento científico. Esta, inclusive, não é uma realidade diferente de do que ocorre com outras doenças sejam elas psiquiátricas (como Esquizofrenia, Autismo ou Transtorno Bipolar) ou não-psiquiátricas (tais como Vitiligo ou Doença de Parkinson), cuja existência não é contestada por pessoas como o Sr. Khon, mas cuja causa específica ainda não está totalmente esclarecida. Ainda em relação a sua etiologia, diferentemente do que foi exposto, já há vários estudos que demonstraram os substratos neurobiológicos do TDAH e, mais ainda, sua condição etiológica complexa e multifacetada. (Ivanov et al., 2010; Asherson et al., 2005; Nigg et al., 2005; Fallgatter et al., 2003; Schweitzer et al., 2003; Ernst et al., 2003; Rubia et al., 1999, 2005; Russell, 2002; Vaidva et al., 2005; Durston et al, 2003). Adicionalmente, alguns importantes trabalhos demonstram que a validade do diagnóstico de TDAH independe do local geográfico ou mesmo de questões culturais onde o estudo foi feito (Bauermeister et al., 2010; Polanczyk et al., 2007). Portanto, se fosse uma patologia “inventada” ou uma patologia secundária ao modo de educar as crianças, diferenças socioculturais deveriam mostrar variações nos sintomas. Mas não mostram! Outras evidências a favor da validade do diagnóstico são os estudos com famílias, com gêmeos e de adoção os quais demonstram a alta herdabilidade – entre 60 e 90% – do transtorno (Rietveld et al., 2003; Thapar et al., 2000), sendo que pais e filhos de indivíduos com TDAH tem até oito vezes mais risco de apresentar o transtorno quando comparados a controles (Faraone & Biederman, 2000) e parentes biológicos tem risco maior de TDAH que parentes adotados (Sprich et al., 2000).

Por outro lado, existe sim alguma supervalorização do diagnóstico por alguns profissionais como, por exemplo, professores (a idéia de uma causa “biológica” para problemas prosaicos da sala de aula e de um remédio que possa resolver quaisquer desses problemas é extremamente tentadora!). Entretanto, com uma prevalência no Brasil de 5.8% (Fleitlich-Bilyk, Goodman, 2004) e menos de 500 profissionais especializados em psiquiatria da infância e da adolescência no país, o que ocorre é que há muito mais pacientes não tratados que diagnósticos errôneos. A prevalência no nosso país é comparável com a mundial, estimada em 5.29% (Polanczyk G et al., 2007).

Para finalizar, devemos lembrar que os indivíduos não tratados adequadamente apresentam maior risco de transtornos por uso de substâncias (Biederman et al., 2010, Wilens et al., 2003), menor escolaridade, maior abandono escolar, maiores taxas de desemprego e subempregos, maiores dificuldades relacionais (Millstein et al., 1998, Arnold e Jensen, 1995; Barkley, 1996; Mannuzza et al., 1993), maior risco de acidentes, maiores taxas de divórcios, maior risco de apresentarem comportamentos anti-sociais e de delinqüência (Kessler et al., 2006, Farrington, 1995).

Portanto, o TDAH é uma importante condição medica que deve ser levada a sério, tratada de maneira adequada o mais precocemente possível e a população melhor informada sobre suas características. O mau uso de algumas medicações por indivíduos com intenções variadas não deve ser considerado empecilho para estas medidas.

Atenciosamente,

Dr. Bruno Mendonça Coêlho

Coordenador do Ambulatório de Psiquiatria da Infância e da Adolescência (APIA) da Faculdade de Medicina do ABC ;

Coordenador Técnico da Unidade de Saúde da Infância e da Adolescência (USCA) de São Caetano do Sul;

Pesquisador do Núcleo de Epidemiologia Psiquiátrica do Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP.

Referencias bibliográficas:

1 – Palmer ED; Finger S. An Early Description of ADHD (Inattentive Subtype): Dr Alexander Crichton and ‘Mental Restlessness’ (1798). Child Psychology and Psychiatry Review (2001), 6:2:66-73

2 – ARNOLD, L.E.; JENSEN, P.S. – Attention-deficit disorders, In: Kaplan HI & Sadock BJ (eds.) Comprehensive Textbook of Psychiatry, vol. II, 6th edition. Williams e Wilkins, Baltimore, pp. 2295-310, 1995.

3- BARKLEY, R.A. – Attention-deficit/hyperactivity disorder. In: Mash EJ & Barkley RA (eds.) Child Psychopathology. Guilford, New York, pp. 63-112, 1996.

4- Farrington, D. P. (1995). The Twelfth Jack Tizard Memorial Lecture. The development of offending and antisocial behaviour from childhood: Key findings from the Cambridge Study in Delinquent Development. Journal of Child Psychology and Psychiatry, 36, 929 –964.

5- Wilens, T. E., Faraone, S. V., Biederman, J., & Gunawardene, S. (2003). Does stimulant therapy of attention-deficit/hyperactivity disorder beget later substance abuse? A meta-analytic review of the liter- ature. Pediatrics, 111, 179–185.

6-
Kessler RC, Adler L, Barkley R, Biederman J, e cols. (2006). The Prevalence and Correlates of Adult ADHD in the United States: Results From the National Comorbidity Survey Replication . The American Journal of Psychiatry,163(4):716-723.

7- Alexander Crichton: An inquiry into the nature and origin of mental derangement: comprehending a concise system of the physiology and pathology of the human mind and a history of the passions and their effects. 1798.

8- MANNUZZA, S.; KLEIN, R.G.; BESSLER, A. et al. – Adult outcome of hyperactive boys. Arch Gen Psychiatry 50:565-76, 1993.

9- Biederman J, Petty CR, Monuteaux MC, Fried R, Byrne D, Mirto T, Spencer T, Wilens TE, Faraone SV. Adult Psychiatric Outcomes of Girls with Attention Deficit Hyperactivity Disorder: 11-Year Follow-Up in a Longitudinal Case-Control Study. Am J Psychiatry 2010; 167:409-417

10- American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders (4th ed., text revision). Washington, DC: 2000.

11- Pliszka SR, Greenhill LL, Crismon ML, Sedillo A, Carlson C, Conners CK, McCracken JT, Swanson JM, Hughes CW, Llana ME, Lopez M, Toprac MG. The Texas Children’s Medication Algorithm Project: Report of the Texas Consensus Conference Panel on Medication Treatment of Childhood Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Part I. Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000 Jul;39(7):908-19.

12- Pliszka SR, Greenhill LL, Crismon ML, Sedillo A, Carlson C, Conners CK, McCracken JT, Swanson JM, Hughes CW, Llana ME, Lopez M, Toprac MG. The Texas Children’s Medication Algorithm Project: Report of the Texas Consensus Conference Panel on Medication Treatment of Childhood Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. Part II: Tactics. Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry. 2000 Jul;39(7):920-7.

13- MTA Cooperative Group. (1999). A 14-month randomized clinical trial of treatment strategies for attention-deficit/hyperactivity disorder. Multimodal Treatment Study of Children with ADHD. Archives of General Psychiatry, 56, 1073–1086.

14- Santosh, P. J., Taylor, E., Swanson, J., Wigal, T., Chuang, S., Davies, M., et al. (2005). Refining the diagnoses of inattention and overactivity syndromes: A reanalysis of the Multimodal Treatment study of attention deficit hyperactivity disorder (ADHD) based on ICD-10 criteria for hyperkinetic disorder. Clinical Neuroscience Research, 5, 307–314.

15- Iliyan Ivanov, M.D., Ravi Bansal, Ph.D., Xuejun Hao, Ph.D., Hongtu Zhu, Ph.D., Cristoph Kellendonk, Ph.D., Loren Miller, M.S., Juan Sanchez-Pena, M.S., Ann M. Miller, M.D., Ph.D., M. Mallar Chakravarty, Ph.D., Kristin Klahr, M.S., Kathleen Durkin, M.S., Laurence L. Greenhill, M.D., and Bradley S. Peterson, M.D. Morphological Abnormalities of the Thalamus in Youths with Attention Deficit Hyperactivity Disorder Am J Psychiatry 2010; 167:397-408

16 – Fallgatter, A. J., Ehlis, A. C., Rosler, M., Strik, W. K., Blocher, D., & Herrmann, M. J. (2005). Diminished prefrontal brain function in adults with psychopathology in childhood related to attention deficit hyperactivity disorder. Psychiatry Research, 138, 157–169.

17-
Schweitzer, J. B., Lee, D. O., Hanford, R. B., Tagamets, M. A., Hoffman, J. M., Grafton, S. T., et al. (2003). A positron emission tomography study of methylphenidate in adults with ADHD: Alterations in resting blood flow and predicting treatment res- ponse. Neuropsychopharmacology, 28, 967–973.

18- Ernst, M., Kimes, A. S., London, E. D., Matochik, J. A., Eldreth, D., Tata, S., et al. (2003). Neural substrates of decision making in adults with attention deficit hyperactivity disorder. American Journal of Psychiatry, 160, 1061–1070.

19- Asherson, P., Kuntsi, J., & Taylor, E. (2005). Unravelling the com- plexity of attention-deficit hyperactivity disorder: A behavioural genomic approach. British Journal of Psychiatry, 187, 103–105.

20- Nigg, J. T., Willcutt, E. G., Doyle, A. E., & Sonuga-Barke, E. J. S. (2005). Causal heterogeneity in attention-deficit/hyperactivity disorder: Do we need neuropsychologically impaired subtypes? Bio- logical Psychiatry, 57, 1224–1230.

21- Durston, S., Tottenham, N. T., Thomas, K. M., Davidson, M. C., Eigsti, I. M., Yang, Y. H., et al. (2003). Differential patterns of striatal activation in young children with and without ADHD. Biological Psychiatry, 53, 871–878.

22-
Rubia, K., Overmeyer, S., Taylor, E., Brammer, M., Williams, S. C. R., Simmons, A., et al. (1999). Hypofrontality in attention deficit hyperactivity disorder during higher-order motor control: A study with functional MRI. American Journal of Psychiatry, 156, 891– 896.

23-
Rubia, K., Smith, A. B., Brammer, M. J., Toone, B., & Taylor, E. (2005). Abnormal brain activation during inhibition and error detection in medication-naive adolescents with ADHD. American Journal of Psychiatry, 162, 1067–1075.

24-
Russell, V. A. (2002). Hypodopaminergic and hypernoradrenergic activity in prefrontal cortex slices of an animal model for atten- tion-deficit hyperactivity disorder: The spontaneously hypertensive rat. Behavioural Brain Research, 130, 191–196.

25- Vaidya, C. J., Bunge, S. A., Dudukovic, N. M., & Zalecki, C. A. (2005). Altered neural substrates of cognitive control in childhood ADHD: Evidence from functional magnetic resonance imaging. American Journal of Psychiatry, 162, 1605–1613.

26- Bauermeister JJ, Canino G, Polanczyk G, Rohde LA. ADHD across cultures: is there evidence for a bidimensional organization of symptoms? J Clin Child Adolesc Psychol. 2010;39:362-72

27- Polanczyk G et al. The worldwide prevalence of ADHD: a systematic review and metaregression analysis. Am J Psychiatry. 2007;164:942-8

28-
Sprich, S., Biederman, J., Crawford, M. H., Mundy, E., & Faraone, S. V. (2000). Adoptive and biological families of children and adolescents with ADHD. Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 39, 1432–1437.

29- Thapar, A., Harrington, R., Ross, K., & McGuffin, P. (2000). Does the definition of ADHD affect heritability? Journal of the Amer- ican Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 39, 1528–1536.

30- Rietveld, M. J. H., Hudziak, J. J., Bartels, M., van Beijsterveldt, C. E. M., & Boomsma, D. I. (2003). Heritability of attention problems in children. I. Cross-sectional results from a study of twins, age 3–12 years. American Journal of Medical Genetics, Part B. Neuropsychiatric Genetics, 117B, 102–113.

31- Faraone, S. V., & Biederman, J. (2000). Nature, nurture, and atten- tion deficit hyperactivity disorder. Developmental Review, 20, 568–581.

32- Fleitlich-Bilyk B, Goodman R. Prevalence of child and adolescent psychiatric disorders in southeast Brazil. J Am Acad Child Adolesc Psychiatry 2004;43(6):727-34.

Nenhum comentário:

Postar um comentário