segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A VERDADEIRA TERCEIRA VIA

ARTIGO DE SERGIO STORCH

Segundo turno e a terceira opção

domingo, 10 outubro 2010, 17:28 | Category : Inteligência Coletiva, Inteligência societal, Política
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“Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas motivadas e comprometidas possa mudar o mundo. Na verdade é a única coisa que o faz.” Margaret Mead

Minhas reflexões neste “Vou Vivendo” têm tido um eixo: a transversalização de momentos de vida com os temas da aprendizagem e inteligência coletivas.

Chega o momento de trazer à tona a dimensão política que às vezes deixo transpirar no Twitter e no Facebook, mas que raramente trago aqui.


Segundo turno: Dilma ou Serra?

Como você, eu olho o hoje e busco o amanhã, com o olhar da minha história. Um breve momento me vem à memória: na participação política que tive mais intensamente nos primeiros anos da redemocratização, tive grande orgulho em ser figurante no episódio que vou contar. Ulysses (PMDB), meu candidato, tinha sido derrotado no 1º turno das eleições de 89 (assim como Covas do PSDB). No 2º turno (Collor x Lula), ninguém das minhas tribos tinha dúvidas. Embora Ulysses tivesse sido recusado no palanque de Lula (claro, simbolizava para os negacionistas a tal da “farinha do mesmo saco”), mesmo assim um pequeno grupo de PMDBistas articulou no gabinete do então deputado estadual Arnaldo Jardim o Comitê de PMDBistas pró-Lula. Tive a honra de estar na formação desse grupo, e guardo com carinho o livrinho caixa em que registrávamos as contribuições: nomes de muitos amigos queridos (com seus NCr$ 300 a 1000), hoje espalhados em vários partidos ou que, como eu, resolveram exercer sua cidadania fora da política partidária. DISSEMOS NÃO AO NÃO, E APOIAMOS LULA.

Foi nessa campanha que conheci também Ricardo Young, dono do Yázigi, e que um ano depois viria a ser um dos fundadores do PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais. Agora tive a alegria de votar no Ricardo para senador, além do Aloysio (PSDB) e de Paulo Teixeira (PT) e Carlos Neder (PT). E, claro, Marina e Guilherme Leal (este também do PNBE de 1990).

História tem fluxos: do PNBE brotaram, nestes 20 anos, lideranças que fundaram entidades e movimentos, inclusive o Instituto Ethos, atualmente presidido pelo Ricardo, mas também, entre outras, a Fundabrinq pelos Direitos da Criança, a Transparência Brasil, o Akatu pelo Consumo Consciente, o Forum Social Mundial, a Rede Nossa São Paulo e a Rede Brasileira de Cidades Sustentáveis.

Ou seja, tive a bênção de ver nascer há 20 anos um futuro de sociedade na qual a política se dignifica e se recupera da corrosão de legitimidade promovida por um sistema político doente e por lideranças sem grandeza. Tenho certeza de que foi esta coalizão de empresários e militantes de movimentos sociais que trouxe 20% dos votos a Marina Silva no primeiro turno (não foi o PV, partido que segue a lógica tradicional dos partidos políticos do século 20, e que agora se apressa em aderir a Serra).


Negacionismo

Hoje amigos me dizem: nossa, o Serra é centralizador, autoritário, trata os professores na porrada, vai querer privatizar tudo, já imaginou? Olha só a privatização desordenada da educação superior no governo FHC, com a desregulação na criação de novas universidades… É a volta do neoliberalismo… E essa turma do DEM que vem com ele? Olha o retrocesso de Serra/Kassab na Prefeitura de São Paulo com as tentativas de desmonte do Plano Diretor que a Marta fez…

E eu digo: é, é mesmo. Mas este NÃO me chega de forma desconfortável.

Outros amigos dizem: nossa, Dilma é o lulismo, nem é mais o PT, e com essa maioria no Congresso será uma mexicanização, teremos um PRI que fará o que quiser… E o país vai agüentar essa carga tributária? Vai agüentar uma dívida pública maior ainda? E a cooptação que o Lula já fez de todas as Centrais Sindicais? Aí alguns evocam até o cenário de uma inflexão para baixo da curva econômica (um dia acontece…), a busca de bodes expiatórios, e um neoperonismo apontando os “inimigos do povo”, os que “torcem contra o país… Se aconteceu numa Argentina até então civilizada, por que não poderá acontecer no Brasil?”

E eu digo: é, é mesmo. Mas este NÃO à Dilma também me incomoda.

Apesar de que, sabe-se lá, pessoas mudam, chegam outras pessoas… Aí vem até a minha paranóia judaica de quem conhece bem a história de um cara eleito democraticamente em 1933, em maioria simples, por um eleitorado que tinha esquecido de “Mein Kampf” para depois ter que lembrar. Hitler, Mussolini, Perón, Getúlio, Nasser, Chavez, Ahmadinejad…

Mas faz parte de minha história pessoal também uma imersão na questão da paz no Oriente Médio, que foi onde incorporei o termo “negacionismo” ao meu vernáculo. No conflito do Oriente Médio, o negacionismo é a classe de atitudes que acometem o Hamas, o Hizbollah, a Al Qaeda, que não aceitam o outro. Que recusam o diálogo, a empatia, a escuta. Acomete também ministros de Israel e colonos da ultra-direita israelense, que não reconhecem a legitimidade dos interesses e a humanidade dos palestinos. NÃOS que são úteis somente para a geopolítica do Irã e da China, ao aumentarem seus espaços de influência. Mas que têm resultados trágicos nos bombardeios de Gaza e nas famílias israelenses e palestinas privadas de seus filhos mortos ou reféns.

Em Gestão do Conhecimento, usamos o conceito de Modelos Mentaistrazido por Peter Senge em “A Quinta Disciplina”. Então, o modelo mental acima caracteriza-se por privilegiar o “nós” versus “eles” (característica que tanto assemelhou FHC e Lula, e que está tão presente nesta campanha tão rebaixada no nível ide despolitização que nos faz pensar se não estamos, todos, regredindo.

E como pode ser que a essa altura do campeonato estejamos de novo “nós” contra “eles”, seja com Dilma ou com Serra? Vítimas indefesas deste modelo mental?


Lula, Dilma e Serra: o homem e sua circunstância

De que Dilma estamos falando? E de que Serra?

O jogo leva alguns a estereotipar o Serra como neoliberal. Mas Serra foi o cavaleiro do SUS que foi trazido à Constituinte pelos comunistas do PCB, que o trouxeram do PC Italiano, e que depois ajudaram a implantá-lo com Sérgio Arouca no Ministério da Saúde de Lula. Parênteses: como evidência de que as coisas não são tão simples, o Dr. Adib Jatene (homem íntegro do partido de Maluf) foi também importante cavaleiro deste SUS, muito mais democrático e justo do que aquele modelo que o Partido Republicano impede o Obama de implantar na grande democracia do Norte.

O Lula da Carta aos Brasileiros era o Lula da NEGAÇÃO da parceria para derrotar a ditadura no Colégio Eleitoral? Não. Era outro Lula. E o Lula da NEGAÇÃO do Plano Real? E o Lula do “nunca antes na história desse país” era o Lula da Carta aos Brasileiros? Também não. O Lula dos SIMs a Sarney, Collor, Maluf e Tiririca é o Lula de todos aqueles NÃOs?

Não, o Lula foi o produto que resultou a cada momento de um sistema político deformado e deformante (nem por isso deve merecer nossa complacência). Poderia ter sido um estadista, mas Gandhis e Mandelas não se fazem todos os dias. Definitivamente, o Lula que deu camisa da Seleção para o companheiro Ahmadinejad não foi o Lula da carta que fiz à minha filha de 2 anos, que apertou os botões da urna eletrônica em 2001 (para que leia quando for votar de verdade em 2015).

Mas é correto vermos o aparelhamento de Lula e Zé Dirceu como motivos para estereotipar Dilma como cavalo de Tróia de uma República Sindical? Não poderá ser uma outra Dilma? E faz sentido desqualificá-la como inexperiente? Faz sentido recorrer ao aborto na baixaria da campanha eleitoral, usando a estratégia dos marketeiros do Jânio com a maconha para derrotar FHC em 85?

O homem é o homem e sua circunstância. O que serão Dilma ou Serra depende menos de ser um ou outro do que do jogo que estiverem jogando.

Então, acho que a questão é a seguinte: Dilma e Serra dos próximos anos são ambos grandes riscos que os bastidores das campanhas não revelam. Ambos são roleta russa. E temos que fazer hedge.


Sim, estamos cativos do “Dilema do Prisioneiro”

Quando vejo Aloysio Nunes e Roberto Freire simplificando sua mensagem unilateral (e são ambos da tribo dos SIMs que eu vi fazendo a transição para a democracia), e quando vejo Leonardo Boff (meu guru cristão, par do meu rabino Heschel e da minha monja budista Coen) e amigos muito próximos estereotiparem a candidatura Serra, fico a pensar: este modelo mental não é parecido com aquele produzido pelo Dilema do Prisioneiro?

Explico: Dilema do Prisioneiro é uma situação analisada na Teoria dos Jogos, muito utilizada na Ciência Política, nas teorias sobre negociação e em estratégia competitiva, para ilustrar como pessoas lidam com a incerteza quando não podem se comunicar com os seus pares.

Temos que aceitar este jogo? Ou podemos mudar o jogo?

Afinal, em outro contexto, nos anos 70 em que eu lia o Serra em livro clandestino publicado em espanhol no Chile sobre o milagro brasileño, ou lia seu livro com a Maria da Conceição Tavares (PT), guru de todos nós, ele votaria na Dilma. E naqueles dias a Dilma votaria no Serra.

Mas muita água rolou, e ambos tiveram sua cota de responsabilidade nessa distribuição torta de renda em que os mais pobres receberam o Bolsa Família e os mais ricos ganharam a Bolsa Banqueiro, várias vezes maior, através da taxa de juros mais alta do mundo. Quem perdeu? Na pizza da renda, a classe média, mas o mais grave é o não-investimento nos serviços públicos essenciais que são a forma mais eficaz de distribuição de renda: educação e saúde públicas de qualidade, transporte público, segurança pública etc. Ou seja, numa visão sistêmica, a distribuição de renda do Bolsa Família é uma farsa e uma miragem de curto prazo, pois continuamos depredando o capital humano que é o principal componente do patrimônio da nação (a partir deste ano as empresas de capital aberto precisam apresentar no seu balanço o seu capital intelectual. E as contas públicas?).

“Moça, abre a janela…” Vivemos num mundo cheio de oportunidades, como diz o cartaz do HSBC nos aeroportos…


Uma terceira opção: a inteligência

SIM. Há possibilidade de mudar o jogo com uma terceira opção, que supere a dicotomia cartesiana e excludente Dilma x Serra.Uma terceira opção, inclusiva, que vale tanto para o caso da vitória de um quanto para a vitória da outra (ver sobre a Lógica do Terceiro Incluído em “A transdisciplinaridade e a modernidade!).

Não me conformo em aceitar um jogo que impõe esta escolha na base do “ou esse ou aquela”, especialmente na base do medo. “A ideologia da direita é o medo”, já nos ensinava Simone de Beauvoir (crédito a Rodrigo Vianna, em “O círculo da direita se fecha: teocracia, censura nas redações, ideologia do medo”, na Carta Maior, sobre a demissão de Maria Rita Kehl na “liberal” Folha ).

Mais que isso. Tenho convicção de que, na era do conhecimento, o Brasil não pode se dar ao luxo de imolar lideranças, o recurso intelectual mais escasso, no altar de um sistema político arcaico. Precisamos de Dilma e de Serra.

Nosso processo eleitoral é BURRO. Podemos mudar o jogo, mesmo antes de uma reforma política que mude as eleições, assim como podemos tornar INTELIGENTES todos os processos, nas empresas, nas cadeias produtivas, nas instituições, na sociedade, no planeta. É o desafio do século 21.

O segundo turno coloca um desafio para quem votou para que houvesse segundo turno… Como construir um hedge (*) para ambos os riscos?

Podemos ter apenas Dilma ou apenas Serra no governo, sim, mas podemos ter outra Dilma e outro Serra, se o contexto no qual um ou outro irá governar for outro. O hedge está na mudança desse contexto.

Creio que a chave para isso está na recusa em aceitar, de ambas as partes, a imposição do jogo do plebiscito, da escolha de “nós” contra “eles”. Denunciar as estratégias de comunicação que confundem o eleitor com essa polarização hipócrita.

Trata-se de colocar para ambos uma agenda positiva de compromissos com mudanças fundamentais. E, quem sabe, em vez de jogar no par ou ímpar, votar naquele que primeiro aderir… Quais seriam esses compromissos? Muitos saberão explicitá-los de forma melhor e mais completa do que eu seria capaz de fazer.: que reforma política, que regulação dos poderes (inclusive da mídia), que taxa de investimento sobre o PIB, que modelo de políticas fiscal e monetária, que critérios de sustentabilidade etc. Limito-me aqui a instigar as lideranças, especialmente aquelas em que votei, nos diversos partidos.

Temos a janela de oportunidade no segundo turno, em que o capital político gerado pelos 20% da Marina fazem da sua neutralidade um ativo precioso para o país, na medida em que um indivíduo (o papel do homem na História) poderá ser ponto de convergência de aspirações de um futuro de sustentabilidade econômica, social, ambiental e política que influenciará aqueles que serão o fiel da balança no dia D da votação.

E tenho certeza de que um movimento neste sentido não termina no dia da votação. É o tiro de partida para uma sociedade que exerça sua inteligência coletiva na promoção de uma reforma política que aprofunde e consolide o jogo democrático com novas instituições à altura das possibilidades do século 21.


Você também pensa assim?

Então aja. Dizem os cientistas das redes sociais que cada um de nós tem 6 graus de distância de qualquer outra pessoa no país. Lembre quais são as SUAS 10 conexões em posições para empurrar essa mudança de jogo. Foi assim que saiu o Ficha Limpa. Em rede. Vamos, temos 20 dias! As redes sociais atingem no mínimo 90% dos municípios do pais, e no mínimo 95% dos eleitores, nem que seja através da padaria mais próxima. Vote num ou noutro, mas também na 3a opção!

Em 2002 foi a Carta aos Brasileiros.

8 anos depois, no mundo 2.0, façamos a Carta DOS Brasileiros!

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(*) Hedge. Técnica usada em Finanças para neutralizar riscos. Se você assumiu dívida em euros, reduza o risco de perder na queda do euro. Basta trocar ativos em outras moedas por ativos em euros. Vendeu opções de compra de ações da Petrobras? Faça o hedge comprando opções que as equilibrem. Sempre há quem tem o risco inverso, e queira vender).

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