terça-feira, 5 de outubro de 2010

O aborto da democracia

Caros amigos, amigas, leitoras e leitores,

A "abortização"da discussão política, como está sendo feita por alguns setores religiosos que preocuparam-se em demonizar a candidata Dilma (que em uma entrevista à Folha pos o assunto do aborto em pauta), é não mais do que uma execrável e monstruosa condução. A democracia comporta e promove a liberdade de crença, culto, organização social, e assim por diante. A não crença também é abraçada pela democracia, bem como o cientificismo. A questão do aborto está diretamente ligada à definição de vida e ser, ou mais precisamente, onde é a fronteira do que é "ser" humano na longa linha entre um espermatozóide em busca de um óvulo e um feto formado, e em que ponto desta trajetória a vida é alcançável pelas decisões morais, legais, éticas e religiosas. A ciência não tem esta definição, que esses religiosos enxergam com a absoluta clareza, e que nem a Bíblia fornece. Assim, estes senhores e senhoras usam o ferramental e o conhecimento científico que só pode ser criado com o fim da inquisição, para escrever o que a Bíblia Sagrada não contemplou e o que a ciência também não contemplou. Assim, pretendem legislar e jurisdicionar com eficácia sobre os que democraticamente renunciam a qualquer tipo de confissão religiosa. Em poucas palavras, esses demoniocratas (são os que demonizam tudo o que não concorda com eles) usam da democracia para destruí-la. Esta é a questão de fundo que permeia toda essa celeuma à qual os eleitores que apreciam a democracia devem estar atentos. Trazer a questão teológica e teocrática para o processo eleitoral revela, escancaradamente, os verdadeiros inimigos da democracia, este bem tão fundamental para o ser humano. No momento, admite-se e pratica-se no nosso país a legalidade do aborto em certas condições, como gravidez resultante de estupro, malformações fetais incompatíveis com a vida (anencefalia, por exemplo) e risco de vida à mãe. Particularmente, considero outras violências como causa de gravidez indesejada, comparáveis ao estupro, e acho que o tema deve voltar ao debate laico. Ninguém está proibido em nosso país de criar e educar seus filhos em sistemas religiosos. Mas não podemos admitir que setores religiosos se apropriem da vida dos que estão do lado de fora dos templos, sob nenhum pretexto.

NELSON NISENBAUM

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