sexta-feira, 20 de maio de 2011

Enquanto Fux fucks, Mello mela.

Caras leitoras e caros leitores,

Enquanto a grande imprensa literalmente chafurdava na lama sintética do caso Palocci, corria ontem mais uma tentativa de se julgar a ADI 1923 (ação direta de inconstitucionalidade da lei 9637/98 que criou entre outras coisas as organizações sociais de saúde). Há 13 anos no STF, a ação já frequentou os gabinetes de Nelson Jobim, que engavetou o proceso por mais de um ano, até onde sei, de Eros Grau, que pelo menos escreveu um belíssimo voto, dando conta de todas as vertentes teratogênicas do aludido diploma legal, do Min. Ayres Brito, que enriqueceu o conhecimento sobre as respectivas patogêneses da lei, e mais recentemente, de Luiz Fux, que ontem apresentou seu voto e seu ânimo de entortar ainda mais o debate, que por sua vez foi interrompido pelo pedido de vista de Marco Aurélio Mello. Este, que já bem conhece o processo pois é a quarta vez que vai à pauta, deu-se ainda por não esclarecido em uma matéria puramente teórica e totalmente afeita ao mister daquele egrégio.

A importância do julgamento deste processo reside no fato de que esta sentença regerá a administração da saúde pública (ou do que sobrar dela no momento da sentença) que é financiada por um orçamento multibilionário. Orçamento este, que vem sendo transferido às OSS sem controle algum de qualquer órgão colegiado independente ou democrático, violando os diplomas constitucionais e legais correspondentes. Sim, estamos falando de dezenas de BILHÕES de reais da saúde pública. Mas, o PIG acha importante mesmo explorar o fato de uma empresa de Palocci ter comprado um apartamento de luxo e um escritório. Nem vou me atrever a discutir os méritos intrínsecos a essa questão (Palocci), até por que fica claro que o que importa no momento é o quem, o quando e o por que. Mas no cenário maior, fica muito claro que o absoluto silêncio da grande imprensa quanto aquele julgamento também tem como causa incontáveis e inomináveis "quem, quando e por ques". Também não me atreverei a comentar o voto do Min. Fux (quem quiser ouvir, está no site da Rádio STF, no noticiário de 19/05/2011) na matéria jurídica, pois criou mais fatores de confusão do que de esclarecimento, além de mostrar desconhecimento e desinteresse pelas causas e naturezas institucionais do SUS. Claro, ele olvidou-se do fato de que o SUS é feito de gente e que existe para atender gente. Mas, no caso do Min. Fux, fica ainda a frustração por não ter conseguido sequer contemplar uma mínima dose de humor, que era de se esperar, pelo menos pelo fato de ele ser carioca.

Mas fica mesmo o trauma pela atitude do PIG, que em troca de tratar de um assunto que afeta a vida de 140 milhões de brasileiros preferiu apontar os holofotes para Palocci. No fim das contas, penso que o maior erro de Palocci é existir. Enquanto isso, Fux fucks e Mello mela. E claro, por dever de ofício, o PIG chafurda.

NELSON NISENBAUM

segunda-feira, 9 de maio de 2011

O perigo da pseudointelectualidade

Caros leitores e leitoras,

As famosas e "doutas" páginas amarelas da Veja desta semana trazem entrevista com o professor Denis L. Rosenfield, filósofo gaúcho que na sua argumentação aponta aquilo que tem como excessos do estado na regulação da vida do cidadão comum. Queixa-se mais especificamente da Anvisa, tema no qual guardo um certo grau de solidariedade com suas angústias. Entretanto, o professor tenta convencer-nos que os excessos da Anvisa são consequências da forma de governar do PT, e por outro lado, insiste na tese de que o estado não deve tolher as liberdades do cidadão no que tange a atos como fumar, alimentar-se com produtos de má qualidade, e assim por diante. Cita filósofo do século XVII, John Locke, que afirmava que ninguém pode ser obrigado a ser rico e saudável contra a sua própria consciência.

Contestar o professor Denis exigiria um grande texto e um grande esforço físico (não intelectual) que apenas valorizaria uma vergonhosa atuação de um professor de filosofia. Mas, sinto-me minimamente na obrigação de alertar sobre alguns pontos. Em primeiro lugar, trazer John Locke ao debate atual é zombar da nossa paciência, afinal, a realidade do estado e dos conhecimentos científicos, e mesmo dos riscos epidemiológicos daquela época guardam distância astronômica do momento atual. Naquele tempo, nem se imaginava o que seria uma política de saúde pública e o grau de contribuição de cada elemento da sociedade neste processo. O conhecimento científico da medicina estava nas fraldas, para dizer o mínimo. A frase de Locke, no contexto atual, é portanto uma pilhéria, de péssimo gosto, por sinal.

Na questão de atitudes que possam ferir a liberdade do indivíduo, como enfatiza o professor na questão do fumo, por exemplo, vale lembrar que o maior regulamentador de propaganda (do que ele também tanto se queixa) de álcool e cigarro foi o Sr. José Serra, em suas gestões no Ministério da Saúde e no governo do estado de S.Paulo. Ao que me consta, aquele senhor jamais engrossou as fileiras do PT. Resta o debate se cabe ao estado regular isto ou coisas equivalentes, sob a argumentação das liberdades individuais. E por acaso, alguém pode ser livre ao tornar-se dependente de substâncias químicas vendidas e distribuídas sem qualquer controle? Por acaso alguém pode fazer escolhas livres desconhecendo as consequências dessas escolhas?

Já manifestei-me por diversas vezes contra a fúria da Anvisa, e em muitos pontos concordo com o professor, mas por outros motivos e causas.

Mais adiante, faz o professor críticas ao estado quanto às legislações, em um discurso que insinua ao desavisado que as leis brotam de iniciativas unilaterais do executivo, em nenhum momento ressaltando o papel das câmaras e de sua representatividade democrática. Atribui ainda ao PT a capacidade de atrair os representantes do atraso político e ideológico para o governo. Ora, professor, nenhuma citação ao governo FHC, que atraiu Antonio Carlos Magalhães, Jáder Barbalho, Inocêncio Oliveira, Marco Maciel, entre tantos outros coronéis? Nenhuma citação aos setores religiosos retrógrados e teocráticos? Por um lado, chama Locke, do século XVII, por outro lado, ignora (ou esconde) o quintal da nossa história?

Como disse anteriormente, o trabalho de contestação seria imenso, e não disponho de tempo e combustível para isso, mas minimamente, cumpro o meu dever de ressaltar os riscos da pseudointelectualidade, que parece ser uma marca indelével de certos setores da imprensa que já perderam o senso de medida na sua marcha fúnebre pós-eleitoral de 2010. Realmente, é impressionante a capacidade da direita de fazer um belo e atraente embrulho de seu ideário anêmico e mixedêmico. Que pena, o debate poderia ser melhor. A Veja continua insistindo no papel de presente para embalar o nada.

NELSON NISENBAUM

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Os olhos opacos do Sr.Aleluia.

De olhos opacos no turbilhão do mundo
Por: Mauro Santayana*

Mauro Santayana
Mauro Santayana
Como uma universidade européia acerta ao dar o título de doutor honoris-causa ao operário Lula

O engenheiro baiano José Carlos Aleluia enviou carta ao Reitor da Universidade de Coimbra, protestando contra a concessão do título de doutor honoris-causa ao operário Luis Inácio da Silva, que, com o apelido afetivo de Lula, presidiu ao Brasil durante oito anos. Sem mandato, Aleluia mantém contatos com seus eleitores, mediante um site na Internet.


Ele foi um oposicionista inquieto, ocupando, sempre que podia, a tribuna, no ataque ao governo passado, dentro da linha sem rumo e sem prumo do DEM. Aleluia considera uma ofensa às instituições acadêmicas o titulo concedido a Lula, e faz referência elogiosa à mesma homenagem prestada ao professor Miguel Reale. Esqueceu-se, é certo, de outros brasileiros honrados pela vetusta universidade, como Tancredo Neves. Não é preciso conhecer a teoria de Freud para compreender a escolha da memória de Aleluia.


O título universitário é, hoje, licença profissional corporativa. O senhor Aleluia está diplomado para exercer o ofício de engenheiro. A Universidade o preparou para entender das ciências físicas, e é provável que ele seja profissional competente, tanto é assim que ministra aulas. O título universitário certifica que o graduado estudou tal ou qual matéria, mas não faz dele um sábio. O conhecimento adquirido na universidade é importante, mas não é tudo. Volto a citar, porque a idéia deve ser repetida, os versos de um escritor mais identificado com a direita do que com a esquerda, T.S. Elliot, nos quais ele mostra a diferença entre ser informado, conhecer e saber: Where is the wisdom we have lost in knowledge? Where is the knowledge we have lost in information?


O título de Doutor Honoris-Causa, sabe bem disso o engenheiro Aleluia, não é licença profissional, mas o reconhecimento de um saber, construído ao longo do tempo, tenha o agraciado ou não freqüentado a universidade. O papel da Universidade não deveria ser o que vem desempenhando – o de conferir certificados de preparação técnica -, mas o de abrir caminho à busca do saber. O Senador Christovam Buarque, com a autoridade de quem foi reitor da UNB, disse certa vez que a Universidade ideal será aquela que não expeça diplomas.


Lula, com os seus defeitos, e não são poucos, é um doutor em política. Um chefe de Estado não administra cifras, não faz cálculos estruturais, não prolata sentenças, nem deve escrever seus próprios discursos. Cabe-lhe liderar os povos e conduzir os estados, e isso dele exige muito mais do que qualquer formação escolar: exige a sabedoria que desconfia do conhecimento, e o conhecimento que se esquiva das informações não confiáveis.


A universidade é uma instituição relativamente nova na História. Ela não foi necessária para que os homens, com Demócrito, intuíssem a física atômica; com Pitágoras e Euclides, riscassem no solo figuras geométricas e delas abstraíssem os teoremas matemáticos; e muito menos para que Fídias fosse o genial arquiteto e engenheiro das obras da Acrópole e o escultor que foi. Mais ainda: as maiores revoluções intelectuais e sociais do mundo não dependeram das universidades, embora nelas se tenham formado grandes pensadores – e sua importância, como centro de reflexões e pesquisas, seja insubstituível. O preconceito de classe contra Lula sela os olhos de Aleluia e os torna opacos.


Solidário o meu autodidatismo com o de Lula, quero lembrar o grande escritor norte-americano Ralph Waldo Emerson: um talento pode formar-se na obscuridade, mas um caráter só se forma no turbilhão do mundo.


É no turbilhão do mundo que se forma o caráter dos grandes homens.

*Mauro Santayana é colunista político do Jornal do Brasil, diário do qual foi correspondente na Europa (1968 a 1973). Foi redator-secretário da Ultima Hora (1959), e trabalhou nos principais jornais brasileiros, entre eles, a Folha de S. Paulo (1976-82), onde esteve como colunista político e correspondente na Península Ibérica e na África do Norte.



Caros leitores e leitoras,

Pululam nos blogs e nos sites de imprensa condenações ao ato estadunidense de eliminar Bin Laden. Tomado ao pé da letra, o ato foi ilegal, brutal, e talvez até mesmo desnecessário. Mas no conjunto, revelam uma psicologia talvez não menos brutal. Muitas vezes a brutalidade não está nas ações, mas nas omissões, sempre ocultas, protegidas pelas máscaras do cotidiano frugal. Mas, uma interpretação mediana deste conjunto de assertivas observadas, de forte conteúdo antiamericano, antiisraelense, pró-palestina, e outros "ismos", revela alguns sentimentos (e também a ausência deles) que não guardam simetria em relação aos pontos que pretendem defender.

As organizações terroristas fundadas no radicalismo islâmico já produziram muito mais mortes no próprio mundo muçulmano do que no mundo ocidental, cristão, israelense, etc. Em dezenas de atentados a bomba, muitas vezes protagonizados por suicidas, extinguiram milhares de vidas em diversos lugares do planeta. No entanto, jamais vimos estas pessoas que condenam o ato norteamericano manifestarem-se contra estes atos de terrorismo, mesmo quando ele mata árabes, indonésios, russos, chechenos, paquistaneses, iraquianos, e assim por diante. O que dá uma clara dimensão de que para este conjunto de antiamericanos, ou pelo menos para a maioria deles, a vida daquelas pessoas não vale nada, e os atos da Al-Qaeda são sempre justificáveis como resposta ao "imperialismo". Sim, explodir as estátuas de Buda no Afeganistão tem tudo a ver com os Estados Unidos e com o capitalismo, seria a dedução lógica destes enunciados.

No fundo, muitos cultivam uma admiração secreta por Bin Laden, por ter ferido os americanos no seu quintal. Outros, argumentam que Bin Laden "é cria americana", o que evidentemente desqualifica a pessoa de Bin Laden, que teve pai, mãe, família, pátria, dinheiro (e muito) e que desfrutou bastante das benesses ocidentais. Sim, desqualifica pois tal argumento subtrai de Bin Laden a sua autodeterminação, seu livre arbítrio. Torna-o menos humano, além de construir o mito. Por outro lado, esquecem-se (ou ignoram?) os antiamericanos que a Al-Qaeda fomenta ações do radicalismo islâmico, apoiando estados teocráticos e impondo a tão sonhada (por eles) hegemonia islâmica, que pretende um mundo onde homossexualismo, bebida alcoólica, democracia, igualdade das mulheres, entre outros bens ocidentais, sejam banidas e punidas com apedrejamento, enforcamento, chicoteamento, e outras delicadezas. Lembremos ainda um discurso feito por um líder do radicalismo islâmico há poucos anos: "Vocês (ocidente) amam a vida. Nós, amamos a morte."

Não faltam no nosso país atos brutais. Temos uma polícia que é uma das que mais mata no mundo (sem processo, julgamento, etc.). Temos presídios superlotados onde dezenas de milhares de presos vivem em condições mais que degradadas e degradantes. Onde estão os que condenam as torturas de Guantánamo? Por acaso não temos tortura aqui? Temos moral para fazer estes questionamentos?

Não é digna a comemoração da morte de Bin Laden. Como não é digno o lamento. Mas, isto é problema entre os norteamericanos e a Al-Qaeda. Vamos cuidar do que é nosso, pois há muito a fazer para que possamos posar de juízes. Não temos vivência neste tipo de conflito. Mas é importante saber que muito provavelmente, um dia ele baterá a nossa porta. E teremos que escolher um lado. Espero que o conselho do ex-presidente Lula, dado em um discurso em 2003 seja seguido: Vamos resolver os nossos problemas.

NELSON NISENBAUM